19/04/2024

A dominação pelo consumo segundo Vance Packard à luz da Teoria Crítica

Por

 
Francisca Candida Candeias de Moraes*
Heloisa Candia Hollnagel**
 
Resumo
Na sociedade contemporânea, estruturada no capitalismo, o ser humano se torna simples engrenagem na produção e consumo desmesurado, no escopo da alienação e dominação identificado por Adorno e outros autores. No intuito de autopreservação, para manter a retroalimentação do sistema, as empresas optam por criar necessidades reais ou irreais utilizando estratégias de condicionamento psicológico do potencial consumidor, cada vez mais elaboradas e sofisticadas. Este artigo visa analisar como ocorre o processo de dominação capitalista tendo o consumo como elemento fundamental, analisando o mecanismo atual de controle social à luz da Teoria Crítica. A metodologia de pesquisa consistiu na revisão bibliográfica e pesquisa de campo exploratória com uma amostra de crianças de São Paulo e Porto Alegre, analisadas de acordo com as faixas de desenvolvimento de Piaget e a nova classificação de renda familiar definidas para o Brasil pela Presidência da República. O resultado validou a hipótese de Vance Packard de que tal comportamento se tornaria progressivamente intensificado em torno do ter e não do ser, criando um conceito geral de que o ser o humano “vale quanto gasta”, processo iniciado desde a infância, substituindo valores humanos essenciais e contrariando os princípios da sustentabilidade.
 
1.                  Introdução
Os primeiros ensaios teóricos sobre o consumo foram apresentados por Karl Marx e Thorstein Veblen. O “fetiche da mercadoria” de Marx demonstrou como o processo de transformação do produto em mercadoria retirou de cena a relação social do trabalho, causando alienação e opressão (CORDEIRO e GAMERO, 2007); sob essa perspectiva a mercadoria é uma ilusão sobre o produto, forjada pelo capitalismo.
De acordo com Veblen, o “motivo que está na raiz da propriedade é a emulação [e que] a posse de riqueza confere honra; é uma distinção baseada na inveja” em um contexto de competição social que se desenvolve junto com a propriedade privada (VEBLEN, 1934: 25-26).
Sob estes impactos, Adorno e Horkheimer (1947/1990) ampliaram os estudos marxistas, incorporando novos conceitos à discussão, em especial sobre a “Indústria Cultural”. Para Adorno, na cultura imposta às massas o indivíduo perde a capacidade de decisão isenta, condicionada aos aspectos socioculturais vigentes. Outra contribuição da Escola Frankfurtiana sobre a alienação na Sociedade Industrial é de Herbert Marcuse, que percebia a grande velocidade da produção como razão da necessidade de rápido escoamento do consumo, pois após 2ª Guerra os países capitalistas atingiram taxas estáveis de crescimento econômico, os padrões de vida se elevaram e os padrões de consumo acelerados.
O consumismo, em especial nos países ricos, é alvo de críticas mais intensas e freqüentes desde os anos 50. Vance Packard, jornalista e crítico social norte-americano escreveu “The Hidden Persuaders” (1957) abordando a questão ética do uso de técnicas de pesquisa de comportamento dos consumidores pela indústria da propaganda; em “The Waste Makers” (1960) denunciava as diversas estratégias para incentivar o consumo de bens na sociedade americana da década de 50, época conhecida como o auge do “american way of life”.
Estilo copiado em todo o mundo (influência da globalização?), pode ser observado em diversos aspectos: na música, Pop e Rock; na moda, tênis de marcas americanas; no passatempo, shopping centers e produções cinematográficas de Hollywood; na hora do lanche, fast food, os adolescentes são bombardeados com produções e marcas internacionais. Assistir televisão, navegar na Internet, falar ao celular integram o cotidiano de muitos jovens nos grandes centros urbanos brasileiros, sob grande influência dessa corrente de pensamento.
A adolescência está relacionada à palavra latina “adolesco” (crescer) e, sob os aspectos psicológicos e comportamentais, é caracterizada por instabilidade, questionamentos e intensa busca de “si mesmo” e da própria identidade. Para Piaget as mudanças na maneira como os adolescentes pensam sobre si mesmos, sobre seus relacionamentos pessoais e sobre a natureza da sua sociedade têm como fonte comum o desenvolvimento de uma nova estrutura lógica denominada “operações formais”: pensamento necessário para a solução sistemática de problemas. Nesse estágio (dos 11 ou 12 anos em diante) existe a capacidade de construir provas lógicas cujas conclusões estão relacionadas ao raciocínio dedutivo (PIAGET e INHELDER, 1976).
Muito tem se discutido sobre os riscos implícitos relacionados à propaganda mercadológica dirigida ao público infanto-adolescente e especialistas têm mostrado sua vulnerabilidade e dificuldade para absorver os anúncios publicitários de forma crítica e reflexiva como fazem os adultos (HENRIQUES, 2007: 15; BJURSTRÖM, 2000).
Com o hiperconsumo, o esgotamento dos recursos naturais e e a cobrança da sociedade pela preservação do meio ambiente, as empresas inserem a sustentabilidade na pauta de marketing, no escopo das estratégias de responsabilidade social. O “marketing verde” não traz apenas consequências positivas, mas também novas formas de manipular informação no interesse próprio, como o ecobranqueamento (greenwashing em inglês) cujo objetivo é dar à opinião pública uma imagem ecologicamente responsável dos serviços ou produtos, apesar da atuação contrária aos interesses ambientais e sociais.
Bauman (2008, p. 73) afirma que “numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação”. Na discussão mundial sobre o desenvolvimento sustentável, abordagens contemporâneas como o “consumo verde” têm sido muito criticadas por não questionarem o consumismo e as estruturas de produção e distribuição. Operando através da transferência regulatória do Estado para o mercado, transferido para o “poder do consumidor”, tal proposta não valoriza a redução do consumo, a descartabilidade e a obsolescência, mas a reciclagem, as tecnologias limpas, a redução de desperdício e o mercado verde, em uma lógica de repasse do custo ambiental ao consumidor.
O Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Instituto Alana (2012) no suplemento “Consumismo infantil na contramão da sustentabilidade” visou a reflexão e mudança de comportamento dos brasileiros[1]. Mas a Educação Ambiental e as políticas públicas são insuficientes frente ao contexto das crianças e adolescentes:
 
[...] consumo em massa, o viver numa grande cidade, a solidão na multidão, a expansão da comunicação pela mídia, a tecnificação e a informatização do nosso cotidiano e assim por diante. Na verdade, modificam-se as condições em que a criança convive com os outros e constrói seu mundo interno e o mundo das suas relações sociais. (CASTRO, 1998: 8).
 
2.                  Metodologia
O estudo, exploratório descritivo e quali-quantitativo, utilizou questionários estruturados e fechados, aplicados online por meio da ferramenta Google Docs a adolescentes entre 11 e 17 anos, residentes em São Paulo e Porto Alegre, divulgado na página do ISS (Instituto de Sustentabilidade Social) no Facebook e LinkedIn e por correio eletrônico para pessoas do relacionamento pessoal das pesquisadoras.
As questões versavam sobre o perfil social (sexo, idade, raça, cidade, tipo de casa, número de cômodos, tipo de propriedade da casa e número de moradores), o perfil financeiro (mesada, gastos adicionais, principal fonte de renda da família e renda familiar média – critérios da Secretaria de Assuntos Estratégicos[2]), os equipamentos/acessórios possuídos pelo respondente, o grau de importância atribuído à posse ou às suas características, o impacto da televisão e Internet na ocupação do tempo livre (quantidade de horas diárias despendidas em tais opções), a importância da marca (calça, camiseta/blusa, tênis), o estilo musical e os principais temas discutidos com os amigos. Finalmente, para identificar os valores essenciais do público-alvo e contrastá-los com o discurso e quais elementos definem seu papel social no grupo, foi apresentada uma lista de valores identificados como relevantes no contexto do estudo, a serem analisados de acordo com a prioridade atribuída.
 
3.                  Resultados da pesquisa
O perfil social dos 30 respondentes consistiu em 37% masculino e 63% feminino, com distribuição linear das faixas etárias, excetuando a de 13 anos, com menor representatividade; houve 70% de declaração de raça branca, 20% parda, 7% indígena e 3% amarela; 67% residentes em São Paulo e 27% no Rio Grande do Sul e, inesperadamente, 1% nos Estados de Santa Catarina e 1% em Minas Gerais.
Nas condições de moradia, 57% residem em casa de rua definida como “normal” e 27% em apartamento, com 63% das residências com 4 a 5 pessoas e 30% com 2 ou 3; 30% indicam 10 cômodos ou mais, 17% 6 cômodos e 27% entre 7 e 9 cômodos; 47% habitam casa própria dos pais, 33% casa alugada e 17% própria da família (avós, tios, etc).
No perfil financeiro, a pesquisa identificou-se que 57% afirma não receber mesada, 23% recebem até R$ 80, 13% de R$ 81 a R$ 290 e 6% entre R$ 441 e R$ 1.020, sendo que 20% ignora a fonte de recursos mensais e não sabe o volume de gastos adicionais à mesada.
No que se refere à posse e valorização de equipamentos relacionados às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), a tabela a seguir demonstra alto grau de importância atribuído àqueles que estão diretamente relacionados à possibilidade de comunicação direta com outras pessoas, em especial o celular (80%) e a Internet banda larga (97%).
 
Tabela 1. Percepção dos adolescentes sobre a posse e o grau de valorização de equipamentos de TIC’s.
POSSE
GRAU DE VALORIZAÇÃO
Equipamento
Não possui
Uso coletivo
Uso pessoal/ quarto
Sem resposta
Pouca/ nenhuma
Indiferente
Muita/ Indispensável
Sem resposta
Computador de mesa (PC)
10%
53%
30%
7%
30%
23%
40%
7%
Celular
10%
17%
73%
0%
20%
0%
80%
0%
Tablet
40%
33%
27%
0%
47%
13%
37%
3%
Laptop
23%
23%
53%
0%
23%
7%
63%
7%
Vídeo game
33%
37%
30%
0%
43%
23%
30%
3%
Ipod
73%
0%
27%
0%
60%
13%
23%
3%
Smartphone
53%
3%
43%
0%
40%
7%
43%
10%
Televisão - canais abertos
13%
57%
30%
0
27%
13%
57%
3%
Televisão - canais fechados
27%
53%
20%
0%
17%
27%
53%
3%
Internet banda larga
3%
77%
20%
0%
0%
0%
97%
3%
Linha telefônica fixa
17%
77%
7%
0%
10%
13%
73%
100%
Média
28%
39%
33%
1%
29%
13%
54%
100%
 
Na ocupação do tempo, destaca-se que 43% afirmam passar mais de duas horas diárias assistindo televisão e 80%  o mesmo tempo por dia na Internet, dos quais, respectivamente, 10% e 43% com mais de seis horas diárias nessas atividades.
Em relação aos atributos de um celular ou iphone, considerando sua relevância nesse universo, foi solicitada a avaliação da importância de seus componentes essenciais, sendo destaque a valorização dos aplicativos de comunicação (Facebook, Instagram, What´s App, Twiter, Ask, etc - 77%), a versão mais moderna do Android ou Mac-OS (60%) e a quantidade de megapixels da câmera (60%), necessários para a interação pessoal, mais do que o tamanho da tela (43%) e a altura máxima do som (47%), como demonstra o gráfico 1.
 
Gráfico 1. Valorização das funcionalidades/ atributos de equipamentos de telefonia móvel (dados em porcentagem).
 
Nas preferências de consumo, destacaram-se, na amostra, os seguintes resultados:
·                    Estilo de música – o funk é a preferência principal (23%), seguido de pop e rock (ambos com 17%) e sertaneja (13%);
·                    Assunto preferido tratado com amigos – namoros e paqueras (33%), seguido por games (23%) e, com mesmo percentual, sexo e “coisas da escola” (10%);
·                    Marca de roupa – embora 77% afirmem não se importar com a etiqueta da calça e 63% da camiseta/blusa, a marca de tênis aparece com relevante para 83% da população pesquisada, com preferência pelos calçados das marcas Vans (27%), Nike (23%) e All Star (17%).
 
Para o tratamento dos valores, as respostas foram agrupadas em três blocos: os diretamente relacionados ao indivíduo e suas relações pessoais diretas (amor, amizade, família, honestidade, paz e harmonia e respeito); o segundo os de natureza instrumental, para o atendimento das necessidades de natureza prática nas relações sociais (dinheiro, status, responsabilidade, trabalho, independência, segurança e poder) e o terceiro os denominados “direitos difusos”, de natureza mais fluida (meio ambiente e direitos iguais).
No grupo dos valores pessoais, destaca-se a valorização similar de amizade, honestidade e respeito, classificados por 97% como muito importante ou indispensável, enquanto amor, paz e harmonia e família foram considerados nessa faixa por 93% dos respondentes.
Os valores de natureza instrumental têm média geral de 67% como importante ou essencial; no entanto, com extrema disparidade na escala valorativa, com concentração de importância em segurança (93%), responsabilidade (87%) e trabalho (83%), muito próximos daqueles na faixa intermediária: dinheiro (77%) e independência (70%). Os demais valores apresentam uma distribuição mais homogênea nas respostas e a valorização situa-se nos extremos opostos: poder, com 34% e status com 27%, havendo, respectivamente, 41% e 47% de respostas indiferentes.
Os valores relacionados aos direitos difusos apresentaram-se mais importantes para 87% no que se refere à isonomia de direitos e 73% em relação ao meio ambiente.
A família é destaque nos resultados, com reconhecimento por 73% como sinônimo de amor verdadeiro ou fator de proteção (27%); sendo indicado por 37% como o mais importante, em contraponto com as demais opções: um bom trabalho no futuro (20%), amigos verdadeiros (17%), dinheiro (10%), fama ou luxo (ambos com 7%).
 
4.                  Discussão dos resultados
Para Colombo (2012: 34) “[...] independentemente de seu poder aquisitivo, o sujeito contemporâneo é levado a sentir desejo e necessidade de possuir bens de consumo, de ter status, de usar roupas da moda”; Castro (1998: 49) argumenta que os jovens normalmente “não têm meios, no caso o poder aquisitivo, para adquirirem eles mesmas os serviços e os bens necessitando, portanto, da aquiescência dos pais para tornar o consumo uma realidade”.
No perfil financeiro, embora exista subjetividade na percepção do respondente, a pesquisa identificou-se que apesar de 57% afirmar não receber mesada, apenas 43% assinalaram essa opção e apenas 10% responderam a questão relacionada aos gastos adicionais dos pais além da mesada, o que pode indicar o recebimento de valores avulsos de recursos não associados diretamente pelos respondentes.
Na amostra há uma indicação de baixa percepção sobre o valor do dinheiro pelos respondentes, pois 20% indica não saber qual o valor adicional à mesada que os pais utilizam para atendimento de suas necessidades e o mesmo percentual desconhece a fonte de recursos familiar. Saliente-se que, quando comparada a média total das questões relacionadas à mesada recebida e aos gastos adicionais realizados pelos pais, 17% utiliza, para o atendimento de suas necessidades, somas superiores ao atualmente definido como renda da classe média ou alta de acordo com a nova classificação nacional. Esse resultado assume importância especial quando avaliada em contraponto aos que afirmam não receber mesada (57%), na medida em que corresponde a 62% dos respondentes que recebem.
Em relação ao tempo dedicado à televisão e Internet, os pesquisados se encontram em idade escolar, período no qual pelo menos quatro horas diárias são destinadas a assistir aulas, além do período para realização de atividades escolares. Dessa forma, o tempo diário restante para relacionamento com a família fica reduzido a um período mínimo, em fase crucial para o desenvolvimento da personalidade e aprendizado de valores. Santos (2003) sinalizava o uso indiscriminado e incentivado pelas famílias de recursos eletrônicos, como a televisão, o computador e o videogame como alternativa para os pais se ocuparem com os afazeres domésticos e profissionais.
Segundo Strasburger (2004), crianças e adolescentes americanos dedicam em média 6,5 horas por dia assistindo televisão, jogando vídeo game ou usando o computador. Sob uma perspectiva frankfurteana, isso pode significar que a alienação inerente à divisão do trabalho presente na sociedade industrial tende a se estender ao lazer.
Segundo Lipovetsky (2007: 07), “a febre do conforto ocupou o lugar das paixões nacionalistas e os lazeres substituíram a revolução” a partir da segunda metade do século XX. Conforme coloca Yaccoub (2011: 201) “[...] não há dúvidas que há uma diferença, sim, percebida no modo de vida ou estilo de vida de um determinado grupo que, após a política econômica adotada nos anos 1990, pôde adquirir certos bens que antes só eram acessíveis aos grupos mais abastados”. A autora relata que jovens oriundos de estratos sociais populares possuíam celulares e tênis da moda que foram comprados pelos pais através de parcelamentos, em estudo em uma comunidade em São Gonçalo/RJ, pois “através da aquisição de determinados objetos, esses indivíduos se sentiam incluídos, [...], proporcionar conforto está especialmente relacionado à posse de eletroeletrônicos” (YACCOUB, 2011: 202).
Linn (2006: 29) destaca que “a mídia tem o poder de influenciar, inclusive, valores essenciais, como escolhas de vida, definição de felicidade e de como medir o seu próprio valor”. A pesquisa de Zaluar (1999) relata que muitos meninos/garotos dos morros e favelas, com armas de última geração nas mãos como símbolo de poder, completam sua imagem com um boné importado, inspirado no Movimento Negro da América do Norte, ouvem música black ou rap americanas, roubam ou compram com recursos de furto, um tênis Nike americano último tipo. O presente estudo mostrou que 67% dos adolescentes valorizam as marcas americanas de tênis Nike, Vans e All Star.
Para Maslow, as necessidades humanas podem ser identificadas em cinco níveis de motivação, iniciando por um caráter de manutenção da vida e terminando nos fatores de natureza psicossocial: fisiológicas (alimento, água, sono, ar, abrigo dos elementos, roupa e sexo), segurança e proteção (segurança física, ordem, rotina, familiaridade sobre a vida e sobre o ambiente, saúde e a certeza), sociais (afeto, amor, relacionamento, inclusão e aceitação nos grupos sociais), status/ego (autoafirmação, auto-aceitação, sucesso e independência) e autorrealização (satisfação pessoal com a realização de algo bem feito) (AGUIAR, 2001).
Tradicionalmente os bens são valorados por sua capacidade de atender às necessidades e desejos humanos e, na sociedade moderna os equipamentos associados às tecnologias de comunicação e informação adquiriram alto grau de valorização não apenas por sua posse, mas associada à capacidade de aumentar o relacionamento entre as pessoas. No caso específico da população infanto-juvenil, esse aspecto se torna prioritário nas preferências de consumo, como relatado em estudo sobre a geração “Z”, população nascida após 1990, assim denominada pela característica marcante de “zapear”.
No estudo realizado, a população respondente, classificada no conceito de geração “Z”, os resultados apresentam coerência com o estudo de Braz e colaboradores (2011), no que se refere à valorização dos equipamentos de TIC’s no atendimento da necessidade de interação social com o grupo, de terceiro nível (inclusão e associação nos grupos sociais). Na amostra desta pesquisa, há total valorização de importância do dinheiro nas idades de 12, 13, 16 e 17 anos e a falta de conhecimento do valor do dinheiro pelo fato de suas necessidades básicas serem satisfeitas pelos pais são identificadas nas duas pesquisas, o que pode ser resultante das constantes ofertas da mídia televisiva e telemática que criam a ilusão de basta o desejo por determinado produto para garantir sua posse.
Da mesma forma, status e poder atualmente não se apresentam como elementos relevantes para esse público nas duas pesquisas – provavelmente pela falta de percepção da importância no contexto social adulto - havendo coerência nos resultados também no que se refere ao grande número de horas diárias acessando a Internet.
Os adolescentes do estudo de Braz manifestam repúdio por aqueles que não apresentam um visual compatível com o grupo, embora na presente pesquisa somente o tênis tenha sido identificado com alta valoração, o que pode indicar uma concentração deste grupo no item de vestuário diretamente relacionado ao campo visual imediato na maioria do tempo - passam grande parte do tempo “teclando no celular”. Esse aspecto se coaduna com a visão de Adorno de que as pessoas são fruto da indústria cultural dominante, assim como comprovam a teoria de Packard de que as estratégias mercadológicas seriam cada vez mais acirradas e direcionadas em torno do ter e não do ser, utilizando valores humanos artificialmente construídos ou ampliados.
O estudo de Grossi e Santos (2007) demonstra a influência da sociedade de consumo nas decisões e nas aquisições de crianças e jovens e como isso interfere na formação de valores, muitas vezes na contramão dos direitos sociais de cidadania ou menosprezando laços afetivos; os resultados da presente pesquisa mostram o oposto.
Os presentes resultados demonstram que, embora ainda considerem valores humanos e sociais básicos, como amor e amizade, aparentemente há uma sólida tendência de valorização dos bens utilizados pelos pais como mecanismos de preenchimento do tempo do filho, na medida em que precisam adotar mecanismos que supram sua falta durante o período de afastamento. Esse resultado alerta para que, caso não haja consciência dos pais de que os bens materiais não substituem sua presença na formação infanto-juvenil, cada vez mais se cumprirá a afirmativa de Packard sobre a criação de valores artificiais e a de Adorno, sobre a influência cultural sobre a formação, à revelia e aquiescência subjetiva dos pais. Esse é um fator relevante a ser pesquisado com maior grau de detalhamento em futuros estudos, na medida em que tendem a fomentar o comportamento alienado.
 
Considerações finais
No início do século XX, os pensadores da Escola de Frankfurt criticavam aspectos como “ditadura da produção” e o desencantamento do mundo, onde passam a vigorar a fetichização dos objetos, o isolamento entre os indivíduos, o jugo da máquina sobre o homem e o trabalho e o lazer alienado, situação ainda atual cem anos depois.
A consolidação do sistema capitalista permitiu o rápido desenvolvimento tecnológico do século XX e este, por sua vez, contribuiu substancialmente para que a mídia e os meios de comunicação de massa ganhassem força, com o uso de estratégias empresariais perniciosas.
Pessoas sem condições financeiras suficientes para o supérfluo, para manter um status social valorizado no contexto social no qual se inserem, estão cada vez mais sendo influenciadas por estímulos ambientais e culturais de natureza capitalista e mercantilista.
O consumidor hipermoderno se utiliza dos objetos como valores exteriores de significação, não no jogo da luta de classes, mas como signo que remete à sua própria personalidade e individualidade, abrindo mão, de forma consciente ou não, de valores essenciais que comprometem seu desenvolvimento como ser humano integral.
A força e eficiência dessa estratégia psicológica e as estratégias de marketing contaram com o apoio de psicólogos renomados conhecedores da teoria freudiana do desejo, assim como daqueles dedicados a fomentar o consumo como parte do valor humano, cada vez mais explorada em prol dos interesses capitalistas.
A temática do consumo e da cultura de consumo sob a ótica da Teoria Crítica se mostra cada vez mais atual considerando os aspectos culturais, econômicos, políticos, sociais e psicológicas; no entanto, ainda se fazem necessárias muitas pesquisas e análises para entender seu reflexo nos valores dos adolescentes de grandes metrópoles.
 
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
ADORNO, T.W. Textos Escolhidos - Adorno Vida e Obra - Conceito de Iluminismo (Em parceria com Horkheimer). Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural. 1999.
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1985.
AGUIAR, R.M. A hierarquia das necessidades de Maslow em estudantes de diferentes cursos universitários. s/n SP, 2001, . [Consulta: 07 de agosto de 2013].
BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação de pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BJURSTRÖM, E. A criança e a propaganda na TV: um estudo crítico das pesquisas internacionais sobre os efeitos dos comerciais da TV em crianças. Interverbum (trad.). 2ª ed. Kalmar: Conselho Nacional Sueco de Políticas de Consumo, 2000.
BRAZ, P.H.; FREY, E.H.; CRUZ, M.R.; CAMARGO, M.E. “Consumo da Geração “Z” Estratificado a Partir das Necessidades Humanas de Maslow”. En: VII Congresso Internacional de Excelência em Gestão, 12 e 13 de agosto de 2011, . [Consulta: 31 de agosto de 2013].
CASTRO, L.R. Infância e Adolescência na Cultura do Consumo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Nau, 1998.
COLOMBO, M. “Modernidade: a construção do sujeito contemporâneo e a sociedade de consumo”. Rev. bras. psicodrama, São Paulo, v. 20, n. 1, jun. 2012.
CORDEIRO, E.F.; GAMERO, P.D. “As novas relações de consumo à luz da Teoria Social Contemporânea”. En: XV SIICUSP - Anais do 15º Simpósio Internacional de Iniciação Científica da USP, 2007. . [Consulta: 05 de setembro de 2013].
GROSSI, P.K.; SANTOS, A.M. “Infância comprada: hábitos de consumo na sociedade contemporânea”. Revista Textos & Contextos Porto Alegre, v. 6, n. 2, pp. 443-454. jul./dez. 2007.
HENRIQUES, I.V.M. Publicidade abusiva dirigida à criança. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007.
LINN, S. Crianças do consumo:infância roubada. Cristina Tognelli (trad.). São Paulo: Instituto Alana, 2006.
LIPOVETSKY, G. A Felicidade Paradoxal: Ensaio dobre a sociedade de hiperconsumo. Lisboa: Edições 70, 2007.
PACKARD, V. Estratégia do desperdício. São Paulo: Ibrasa, 1965. Título original: The Waste Markers. 1960.
PACKARD, V. Nova Técnica de convencer. 5ª ed. São Paulo: Ibrasa, 1959. Título original: Hidden Persuaders. 1957.
PIAGET, J.; INHELDER, B. Da Lógica da Criança a Lógica do Adolescente. São Paulo: Ed. Pioneira, 1976.
SANTOS, A.M. “Obesidade Infantil: excessos na sociedade”. Boletim da saúde. Rio Grande do Sul, v. 17, n. 1, pp. 98-104, 2003.
STRASBURGER, V. C. “Children, adolescents and the media”. Curr. Probl. Pediatr. Adolesc. Health Care, v. 34, pp. 54-113, 2004.
VEBLEN, T. The theory of the leisure class. 1a edição de 1899. New York: The Modern Library, 1934.
YACCOUB, H.A chamada "nova classe média": cultura material, inclusão e distinção social”.Horiz. antropol. [online], v.17, n.36, pp. 197-231. 2011.
ZALUAR, A. A “Globalização do crime e os limites da exclusão local”, en SANTOS, José Vicente Tavares dos (org.). En: Violência em tempo de globalização. São Paulo: Editora Hucitec, 1999.


* Fundação Getulio Vargas. [email protected]
** Universidade Federal de São Paulo. [email protected]
[1] http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/Arquivos/downloads/ebooks/caderno.pdf
[2] http://www.sae.gov.br/vozesdaclassemedia/wp-content/uploads/Relat%C3%B3rio-Defini%C3%A7%C3%A3o-da-Classe-M%C3%A9dia-no-Brasil.pdf.>.

Encontrá lo que buscás