26/04/2024

A busca por uma Poética do Exílio

Por

 

Luciana G. Barboza[1]
 
 
O mundo nada pode contra um homem que canta na miséria.[2]
Ernesto Sábato
 
1. A literatura do exílio
Ovídio em Cartas Pônticas[3] aproxima a morte como o espaço em que a condição de exilado deixará de conduzir sua escrita, e sua vida. “A morte, sem dúvida, quando chegar, fará que eu deixe de ser um exilado”(OVIDIO, 2009, p. 6) escreve Ovídio a seu velho amigo Bruto. Em sua obra elegíaca e epistolar de versos, escrita durante o período dos longos anos em que esteve exilado em Tomis, Ovídio, vivendo sob o risco constante da influência do rio infernal cujo nome Lete significa “olvido”, resiste à apatia e faz da experiência do desterro um testemunho poético do isolamento em que foi ordenado. Os versos atestam e presenciam a terrível sentença, metamorfoseando-se em uma poética de resistência, esperança e espera – a arte da espera.
Entre as obras que o poeta latino escreve no exílio Cartas Pônticas e Tristia são aquelas que desempenham esperada consonância com o primeiro verso do livro Exilio, escrito pelo poeta argentino Juan Gelman no período da ditadura na Argentina que esteve exilado em Roma – capital italiana que ainda abriga o nome da tão desejada Urbs de Ovídio. “Dos deveres do exílio:/ Não esquecer o exílio”(GELMAN, 2006, P. 23)[4] adverte Gelman, admitindo ao exilado o lembrar e o testemunho como seus principais “deveres” ou temas. O não esquecer o desterro para ele, portanto, tem morada no espaço da poesia.
Não se trata somente de viver o processo de desenraizamento também em palavras, ou simplesmente recordá-lo posteriormente através do discurso memorialístico. Adorno, por exemplo, sustenta em Minima Moralia – Reflexões de uma vida lesada um pressuposto de que na Modernidade apenas no espaço da escrita se pode travar verdadeiro contato com o lar. Propomos então ver o que vai no verso de Gelman como um diálogo poético e epistemológico com o de Ovídio: esquecer para Gelman seria como a morte para Ovídio. Não se trata, por conseguinte, de viver novamente o processo do exílio em palavras, significa vivê-lo em linguagem. De modo que se forma, subitamente, como destino ao exilado um novo mundo ontológico e ficcional, que se tenciona obrigatoriamente com o antigo mundo abandonado.
Desde a Antiguidade até a contemporaneidade se tem notícia da prática do “banimento”. Do escrito sobre o banimento. É nele que lemos a busca dolorosa e ineficaz por se ajustar a uma nova vida aprisionada, sem identidade, sem documento e muitas vezes num novo e distinto idioma ao original do exilado. Também é onde encontramos a reflexão distanciada sobre o lar, a qual Adorno faz referência em sua obra. O subtítulo Reflexões de uma vida lesada exprime, de maneira cortante, a fratura pela qual a vida de um exilado é disposta. Fratura entre o homem e a natureza humana.
Por entre a dimensão do fraturado surge a literatura do exílio, a literatura do não esquecimento. A morte e o esquecimento, dois paradigmas invioláveis da existência humana, são ordenados como única conformidade palpável para o homem posto no exílio. O homem que existia até então é levado a perder sua casa, sua família, sua tradição, condenado a viver como um outro, como uma espécie de duplo de si. A escrita, então, aparece como um espaço alternativo, que proporciona liberdade de absorção, visão – descrição – tanto da nova margem que se insinua, quanto daquela perdida. Edward Said em “Reflexões sobre o exílio” desenvolve o conceito de “Literatura do exílio”. Nele às incontáveis tensões as quais se rende a temática da literatura do gênero se une um teor reflexivo e visionário acerca do ato de recordar e de experienciar o drama humano. “O novo mundo do exilado é logicamente artificial e sua irrealidade se parece com a ficção.”(SAID, 2006, p. 54) dirá Said. A escrita sobre o exílio provém da escrita de um espaço artificial, em que o homem ao mesmo tempo é personagem e escritor. Vê-se em duplo com o seu passado e mais uma vez fraturado em seu presente, ostentando um corpo repartido. No entanto, as fraturas, por mais irremediáveis, não encontram cômodo na vida desse homem: em forma de sofrimento elas estão sempre ali, estranhas, claras, presentes. “Um homem repartido em dois não dá dois homens./ Quem se atreveria, porra, nestas circunstancias, a multiplicar minha alma por um”[5](GELMAN, 2006, p. 28) suplica a voz poética, num poema escrito por Juan Gelman em maio de 1980.
Ao pensar as fraturas, distinguimos nesta tradição da literatura do exílio uma diferença através da Modernidade e da Antiguidade, com suas epopeias clássicas. Georg Lukács postulou em sua Teoria do romance que há a “absoluta imanência da vida em Homero”(LUKACS, p. 31) ou seja, num mundo regido por leis inalteráveis, em que existem referências seguras e que a sorte de cada homem o definirá de modo inelutável desde o seu nascimento de acordo com a vontade dos deuses, o imaginário formador da literatura se constrói por via distinta daquele do romance moderno europeu. Lukács afirma: “no mundo novo, ser homem, é ser só.”.(LUKACS, p. 36) Estendendo-se à Antiguidade dirá Said: “Na epopeia não há outro mundo, somente a finalidade de nosso mundo. Ulisses retorna a Ítaca após tantos anos de errância. Aquiles morrerá porque não pode escapar de seu destino.”(SAID, 2003, p.55). A literatura do exílio decididamente cinge as diferentes formas de enxergar o ambiente artificial, que se tornou um paradigma na história da humanidade. Na epopeia, nas tragédias, no romance, na poesia, em livros sagrados a constante volta ao tema das fraturas impostas pela experiência do exílio, e o modo pelo qual o homem as recebeu, constrói uma tradição, que se manifesta em diversas abordagens e contextos, da literatura do exílio. Pensar uma tradição dessa literatura é admitir mais uma que tem como temática o indesejado: “O exílio é uma condição ciumenta. O que você consegue é exatamente o que você não tem vontade de compartilhar”(SAID, 2003, p. 51). Afinal, a ideia de experiência se coloca ao lado da ideia de transmissão. Como compreender uma tradição em que se faz indispensável o não esquecimento daquilo que lhe é a mais hostil das feridas? A contradição mostra a impossibilidade do desenraizamento absoluto, mas o convívio com o decreto do mesmo. Juan Gelman então indaga e ao mesmo tempo transporta a contradição ao drama da luta por existir: “Até onde este exílio exterior coincide com outro mais profundo, interior, anterior?”.[6](GELMAN, 2006, p. 28)
No século XX, especificamente, o exílio percorreu todo o mundo como uma estrutura que se repetiu de diferentes formas, mas guardando também características comuns. “O exilado sabe que, num mundo secular e contingente, as pátrias são sempre provisórias. (...) O exilado atravessa fronteiras, rompe barreiras do pensamento e da experiência.” (SAID, 2003,p. 58). Em consequente diálogo Adorno dirá: “A casa é coisa do passado.” (ADORNO, 2008,p. 35).
Estágios da violência do regime capitalista aferrou, no decorrer do século XX, espaço labiríntico de desterrados e aprisionados, tornando o exílio um padrão. E o labirinto não está em linha reta: é o lugar rígido[7] das confluências, do erro, do monstro, do perdido, do isolado: “É dentro do labirinto que está a forma, o perigo, o caos organizado.”(DOURADO, 2002, p. 66). A literatura do exílio é também um “resultado de uma combinação de isolamento esmagador e indiferença do mundo”(SAID, 2003, p. 53). Irrealizável seria obter um panorama exato do percurso deste labirinto. É também por isso que nos atrevemos a dizer, que escrever sobre o exílio aí é igualmente testemunhar inevitavelmente o século.
A impossibilidade do lar[8], trabalhada por Adorno em diversos fragmentos de Mínima Moralia (“Para a dialética da civilidade”; “Reserva de propriedade”; “Asilo para desamparados”; “Nenhuma lembrança”; “Frutas anãs”, entre outros), é descrita através de um tom de constatação: o homem transportado para uma condição de insone e destituído de seu arbítrio é obrigado ao desapego da intenção da casa. Essa, por sua vez, com a ampliação devastadora da técnica, passa a funcionar para o “descarte, como latas de conserva vazias”(ADORNO, 2008, P. 35). Em “Frutas Anãs” temos:
 
No vento se ouve a felicidade ou sua falta. Ele adverte o infeliz da fragilidade da sua casa e o expele do sono leve e do sonho agitado. Ao feliz, ele canta a canção do conforto acolhedor: seu silvo raivoso anuncia que não tem poder sobre ele.[9]
 
O esvaziamento da noção de lar, da ideia de morar ou de abrigo funciona como uma ferramenta do banimento. A casa representa uma ligação entre o individual e o coletivo, numa circunvizinhança entre aquilo que o protege e o que liga o homem a sua comunidade. Uma vez manipulada a ideia de abrigo, o desterro também passa a exibir outro tom, ordinário.
Ninguém pode amar seu país com o afeto que é particular à relação, se pensar que é, em sua natureza, uma coisa indeterminada, alguma coisa que vai crescendo durante a noite, alguma coisa a que falta a tensa excitação de uma fronteira.[10]
O testemunho da “Literatura do exílio” se move como um emblema de resistência e humanismo, de um modo de perceber a literatura e sua relação com o espaço do “Outro não familiar” (SAID, 2007, p. 22) que pressupõe “um profundo espírito humanista empregado com generosidade, e se me permitem o termo, com hospitalidade.”(SAID, 2007, p. 22). Notavelmente oposta de um nacionalismo encontrado, a princípio, através do Romantismo, que guardava como prerrogativa um sentido de superioridade entre culturas e que foi resgatado de modo degenerado pelos regimes fascistas, a literatura que falamos busca compreender e tocar a formação humanista de identidade daquele que se acha retirado do seu ambiente familiar, ou que vive arado pela angústia de um futuro contingente. Literatura e testemunho[11], portanto, se sobrepõem como uma busca pela construção de um sentido individual e coletivo, pois é preciso construir um sentido e nomear aquele, até então não nomeado: o poema que a todos e a um alcança.
 
2. A poética do exílio
O poema como defenderá Paul Valéry “trabalha o pouco visível”, o suspenso, o radical, aquilo que está fora do habitual – ou seja, do que se habita. Seria, entre a história e a ficção, a mudança de andamento, diria Proust. E por isso o poema engendra testemunho, mudez, recordação, ficção, numa sobreposição de palavras e silêncios. Constrói-se ainda que partindo de descontinuidades, de fragmentos de lembranças, desvios de rotas, de resíduos salvos, do inacabado, de aprisionamentos, e faz aparecer a poesia. Paul Celan, em “Meridiano”, discorre: “Então o poema seria – mais claro ainda que até então – linguagem transfigurada de um indivíduo e, de acordo com a sua mais profunda essência, presente e presença.”(CELAN, 1999, p. 178). Ele, afinal, é presente e presença. Retira do autor o falso julgamento de que sua postura seria meramente contemplativa e abstrata, e está ao seu lado diretamente no mundo. “O poema torna-se – e sob que condições! – o poema de alguém que – ainda – percebe, que se dirige ao que parece, questiona e pede informações a essa aparição; torna-se diálogo – muitas vezes um diálogo desesperado.”(CELAN, 1999, p. 179) – continuará Celan.
A poética do exílio seria então a proposta de construção do poema enquanto vivência e testemunho afeita a oposição do emudecimento típico do isolamento. Sempre em diálogo com o conceito de literatura do exílio de Edward Said, do conceito de poetificado presente no ensaio “Dois poemas de Friedrich Holderlin: Coragem de Poeta e Timidez”, de Walter Benjamin, e das importantes proposições de Claudio Guillén em El sol de los desterrados: literatura y exílio, buscamos observar como a poesia sustenta e abriga as consequências inescapáveis do exílio.
 “A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza, exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo, cria outro.”(PAZ, 2002, p. 13) escreve Octavio Paz, em El arco y la lira. Ela tem o poder de descortinar o mundo por meio daquilo que Adorno chama em “Palestra sobre lírica e sociedade” de “o momento da fratura”(ADORNO, 2005, p. 70-71) a possibilidade do eu fugir à alienação através da subjetividade:
 
Esse processo de sedimentação será tanto mais perfeito quanto menos a composição lírica tematizar a relação entre o eu e a sociedade, quanto mais involuntariamente essa relação for cristalizada, a partir de si mesma, no poema.[12]
 
 A poesia do desterro o mostra enquanto lugar que não se habita, mas se vive. Adiante vai um exemplo de Mahmoud Darwish, que representa de maneira drástica o que colocamos:
 
Mas eu sou o exilado.
Sela-me com teus olhos.
Leva-me para onde estiveres –
Leva-me para o que és.
Restaura-me a cor do rosto
E o calor do corpo
A luz do coração e dos olhos,
O sal do pão e do ritmo,
O gosto da terra... a terra natal.
Protege-me com teus olhos.
Leva-me como uma relíquia da mansão do pesar.
Leva-me como um verso de minha tragédia;
Leva-me como um brinquedo, um tijolo da casa
Para que nossos filhos se lembrem de voltar.[13]
           
Said interpreta que Mahmoud Darwish estabelece uma lista de coisas incompletas e inacabadas que simbolizam a falta do lar. O primeiro verso já começa com uma adversativa, indicando que antes dele existe uma condição insatisfatória, quebrável, de modo que o que vem antes não pode se dar por completo. “Mas eu sou o exilado” é a linha que contém em si o significado do poema: não se trata de um exilado, e sim o exilado. Aquele que não possui nem mais a cor original do rosto, aquele que se identifica com um simples brinquedo salvo ou um único tijolo da casa perdida. O exilado que sabe o gosto da terra natal e o gosto a sal do pão alheio. O palestino Mahmoud Darwish, diversas vezes referido como poeta do exílio, entende que na poesia a falta se distingue tanto quanto a presença.
 
...A respeito da linguagem poética, poesia é, de maneira geral, uma jornada que atravessa culturas, linguagens e diferenças temporais. Poesia não pode ser nacionalista no sentido estrito da palavra; mas devido ao fato de que existe uma ligação entre poesia e comunidade, e porque o poeta pertence, de algum modo, a sua comunidade e é produto de uma configuração histórica específica, possui um papel em moldar a identidade cultural de seu povo. Eu não sei se eu poderia me livrar das influências culturais do exílio. Eu também não sei se os Palestinos que nasceram e se criaram fora de sua terra natal, no exílio, seriam capazes um dia de reaver suas memórias individuais, em algum lugar longe do exílio. Eu também não sei se nós seríamos capazes, uma vez que o retorno fosse possível, a continuar opondo exílio e terra natal (...) De mim, eu não posso glorificar o exílio enquanto é impossível para mim maldizer a terra natal. Mas a sonhada Palestina vem à minha mente mais legível quando eu escrevo poemas, mas a real Palestina...[14]
 
No livro A cama da estranha[15] Darwish dá um testemunho poético de sua relação com o exílio. A palavra ghariba, em árabe, guarda um amplo significado, que convive em tensão: ao possuir como radical o termo “ghard”, que significa oeste, observamos que o signo ghariba, postulando uma ambivalência, seria ao mesmo tempo o estranho, e o Ocidente (o lugar do oeste). O estranho como o Ocidente. No livro confluem exilados do Oriente em direção ao Ocidente, constantemente afirmando suas origens e o fora, confundindo e distinguindo o lugar do passado com o do presente, e o risco do futuro. Dentre a possibilidade de muitas passagens de poemas, escolhemos trechos que vão a seguir por refletirem quase que objetivamente o que temos dito: 
 
Você virá comigo, ou vagará sozinho
Em seu nome como um exílio que adorna o exílio
Com seus brilhos?
(...)
 
E diga que nós somos
Dois estranhos pássaros no Egito
E na Síria. Diga que nós somos dois estranhos pássaros
em nossas plumas.
(…)
 
E o que nós faremos?
O que
Nós faremos?
Sem o exílio?[16]
 
O carregar a terra natal na terra outra acompanha largamente esta poética. A terra sentida conforme o substrato material da origem, neste caso manifestada em palavras pelas recordações. A ideia de estranheza, de distância, do lugar mais a oeste no poema de Darwish age como um agravante da imagem do exílio contido aí e fixa o pertencimento, anunciando já em seu título, da paragem primeira. Ao longo do poema também pode ser visto como o estranhamento começa sempre no outro, reiterando a discussão de Said. A poesia abriga a busca – que erra – por guardar a terra intocada independente do contato com sua materialidade. Assim, mesmo que não persista uma constância cultural e geográfica – conforme se referia Adorno – a terra que simboliza a origem se determina, seja até como ausência, como falta. O romancista turco Orhan Pamuk, atualmente vivendo fora de seu país devido às perseguições sofridas após ter falado de maneira explicita sobre o massacre do povo armênio ocorrido na Turquia no começo do século XX, é um exemplo de escritor que traduz em sua literatura os contornos de sua terra natal, seus preciosos pormenores, quase como se estivesse sempre a caminhar sobre ela, a mirá-la do alto; permitindo aventurar-se, mas sem nunca a perder de vista, explorando-a, descrevendo-a, poetizando-a.
 
Conrad, Nabokov, Naipaul – eis três escritores conhecidos por terem conseguido migrar entre línguas, culturas, países, continentes, até mesmo civilizações. Suas imaginações se alimentavam do exílio, um alimento que tragavam não através de suas raízes, mas da falta delas. Minha imaginação, porém, exige que eu permaneça na mesma cidade, na mesma rua, na mesma casa, contemplando o mesmo panorama. O destino de Istambul é o meu destino.[17]
 
Adorno em Minima Moralia fala de um princípio de anulação, o qual vem à tona se a falta não se tornar mais que pensamento, que sentimento. “Qualquer coisa que não é reificada, que não pode ser contada e medida deixa de existir.”(SAID, 2003, p. 399). É o que Erich Auerbach – que ficou exilado na Turquia durante o período da Segunda Guerra Mundial – demonstra quando evoca uma passagem de Hugo de Saint Victor para explicar a ambivalência de que somente através do apego o homem pode conseguir romper de fato fronteiras, barreiras. Ou seja, guardando o particular no todo. Sobretudo quando não permite a anulação de sua terra natal perdida o homem consegue ver de fato o exílio. Said discute:
 
Consideramos as experiências como se elas estivessem prestes a desaparecer. O que as prende na realidade? O que salvaríamos delas? Do que desistiríamos? Somente alguém que atingiu independência e desapego, alguém cuja terra natal é “doce”, mas cujas circunstâncias tornam impossível recapturar essa doçura, pode responder a essas perguntas.[18]
 
O resultado da falta disposta como tema passa a ser o do lugar como tema. Indo mais adiante: é partindo da visão enquanto conhecimento e liberdade, que surge a qualidade visionária da poética do exílio. Quando todo um modo de vida se tem por derrotado exprimi-lo ostenta uma aguçada capacidade de resistência e de força perante a ideia da morte, do esquecimento. Sob o relato dos escombros, embora entrecortado pelo errante, é possível, assim como está nos versos de Sophia de Mello Breyner Andresen, ver: “Digo o nome da cidade/ - Digo para ver”(ANDRESEN, 2004, p.7). Falamos de uma poética que se constrói para servir de aparato para a visão, não num sentido ordenador, mas naquele que retira do tumultuoso caos um sentido, em sua solidão.
 
 
 
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[1] Doutoranda em Teoria da Literatura (Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Orientador: Ronaldo Lima Lins.
[2] SABATO, Ernesto. A resistência. Trad. Sergio Molina. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 91
[3] No original, em latim: Epistolae ex Ponto.
[4] A tradução é nossa. No original ficaria assim: “De los deberes del exílio: / No olvidar el exilio”.
[5] Tradução nossa. No original ficaria assim: “Un hombre dividido por dos no da dos hombres./ Quién carajo se atreve, en estas circunstancias, a multiplicar mi alma por uno.”
[6] A tradução é nossa. No original ficaria assim: “Hasta dónde este exilio exterior coincide con otro más profundo, interior, anterior?”
[7] DOURADO, Autran. “Proposições sobre o labirinto”. In: O meu mestre imaginário. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 66.
[8] Adorno dirá “Na realidade nem se pode mais morar.” ADORNO, Theodor W. Mínima Moralia: Reflexões de uma vida lesada. trad. Gabriel Cohn. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. p.34.
[9] Ibidem. p. 45.
[10] CHESTERTON, Gilbert Keith. “A filosofia das ilhas.” In.: O tempero da vida e outros ensaios. trad. Luciana Viégas. Rio de Janeiro: Graphia, 2010. 133.
[11] Jorge Fernandes da Silveira comparará uma poética do testemunho a uma poética da solidariedade, no ensaio “O retorno do épico – a nau e a nave”.
[12] ADORNO, Theodor. “Palestra sobre lírica e sociedade”. In.: Notas de literatura I. trad. Jorge de Almeida. São Paulo: ed. 34, 2005. p. 72.
[13] DARWISH apud SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 52.
[14] A tradução é nossa. No original ficaria assim: “...Regarding poetic language, poetry is in a general way a journey between cultures, languages and different temporalities. Poetry cannot be nationalist in the strict meaning of the word; but because of the fact that there is a link between poetry and community and because the poet belongs in some way to his community and is the product of a particular historic configuration, has a role in shapping the cultural identity of his people. I don’t know if I could extricate myself from exile’s cultural influences. I also don’t know if the Palestinians who were born and grew up outside their homeland, in exile, would be able one day to recover their individual memory somewhere else far from exile. I also don’t know if we would be able, once return is possible, to continue to oppose exile to homeland. (…) As for me, I cannot praise exile as long as it is impossible for me to curse the homeland. But the dreamed Palestine comes to my mind more readily when I write poems, than the real Palestine…” In.: DARWISH, Mahmoud. Exile’s Poet. Interlinksbooks, 2007. p. 108-109.
[15] No original Saarir al ghariba.
[16] A tradução [do inglês para o português] é nossa. A tradução do árabe para o inglês ficaria assim: “Will you came with me, or walk alone/ in your name as an exile that adorns exile/ with its glitters?/ (…)/ And say we are/ two stranger birds in Egypt/ and in Syria. Say we are two strangers birds/ in our feathers./ (…)/ And what will we do?/ What/ Will we do?/without exile?”. In.: DARWISH, Mahmoud. Exile’s Poet. Interlinksbooks, 2007. p. 104.
[17]PAMUK, Orhan. Istambul. Trad. Sergio Flaksman. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. p. 14.
[18] SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 59.

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