19/04/2024

Epistemologia, estética e formação: uma contribuição de Walter Benjamin para a educação

Por

 

Luzia Batista de Oliveira Silva
UNIMEP-SP/ BRASIL
 
 
Resumo
Este artigo objetivou analisar o aspecto epistemológico, do prefácio da obra de W. Benjamin, Origem do Drama Alemão (1926). Fez-se uma reflexão acerca de sua contribuição para a educação. Discutiu-se, especialmente, sua concepção epistemológica sobre o Barroco ­– o que ele tem de trágico ­– e, sua análise e crítica à falta de um estudo específico e aprofundado sobre o teatro alemão do século XVII, por ser importante para o estudo da arte e a estética na contemporaneidade. Fez-se uma abordagem epistemológica, entendida como um exercício de aprendizado decorrente da leitura de obras, autores e problemas filosóficos, não apenas de material filosófico, mas também, consequência do estudo de outras fontes, como a obra supracitada ou o ensaio Experiência e Pobreza (1933), um exemplo de estudo no qual o autor não abre mão de uma visão ética e estética da história, tal como a história do teatro barroco.
Palavras-chave: epistemologia, estética, ética, educação, formação, filosofia.
 
           
 
A obra de Walter Benjamin,Origem do Drama Trágico Alemão é um estudo sobre o teatro alemão do século XVII. Para Benjamin (2011:12), a totalidade do conhecimento do Barroco só pode ser alcançada pela filosofia se ela for pensada como arte, como “paradigma artístico ou estético fundado na doutrina das ideias”–arte da investigação, podendo apontar particularidades do Barroco e obter conhecimento considerável sobre o teatro barroco (trágico), no qual, o universal e o singular não se excluem e nem se diluem para formar uma totalidade; o universal pode ser o concreto daquilo que se pode revelar no singular (MACHADO, 2004:49).
Quanto ao conceito de origem, na obra Passagens, Benjamin (2009:504) pontua que ao estudar em Simmel o conceito de origem em Goethe, “ficou muito claro... que meu conceito de origem (Ursprung) no livro sobre o drama barroco é uma transposição rigorosa e concludente deste conceito goetheano fundamental do domínio da natureza para aquele da história”. Para o autor, “Origem – eis o conceito de fenômeno originário transposto do contexto pagão da natureza para os contextos judaicos da história”; significa que com, o “Agora, nas Passagens, empreendo também um estudo da origem. Na verdade, persigo a origem das formas e das transformações das passagens parisienses desde seu surgimento até seu ocaso, e a apreendo nos fatos econômicos”.
Quanto à questão epistemológica, Benjamin (2011) não defende nem um conhecimento racional, nem um conhecimento empírico, uma vez que acredita que a relação sujeito-objeto, por ser mitológica, é insuficiente para dar conta da complexidade da construção do conhecimento. Não defende, como Kant, que a experiência pode ser reduzida à experiência cientifica. Para Benjamin, experiência e consciência não se reduzem, nem se excluem, não são vias contraditórias na obtenção do conhecimento. A questão epistemológica pede aproximação do conhecimento cientifico e do conhecimento filosófico. Talvez, isso se deva ao fato de o autor compreender a relevância da proposta científica de Goethe para a filosofia da arte ou por tentar conciliar tanto o materialismo histórico quanto a teologia judaica como elementos fundamentais para sua filosofia e crítica literária, os quais parecem distantes e até excludentes, mas que ele soube, como poucos, conciliar sem subjugação ou dominação de um pelo outro, valorizando, assim, a multiplicidade sem cair numa abstração, tampouco numa totalidade alienante. Esses elementos díspares marcam sua trajetória porque fazem parte de seu modo de conceber uma investigação filosófica. Sugere, por isso, uma filosofia da história, capaz de contestar, contextualizar e colocar em suspeita a história e sua ambiguidade ignorada, colocar a suspeita como guia do seu pensamento tal como atesta Sampaio (1994:13), porque “como crítico, Benjamin submeteu as obras de arte a uma visão alegórica, capaz de ver para além da falsa unidade aparente que a visão simbólica do comentador nelas descortina...”. Para o autor “o próprio Benjamin também foi submetido, no pior sentido, a esse esquartejamento por críticos que não lhe ‘perdoam’ o marxismo e a teologia”, dado que, “no fundo, não conseguem ver que a verdadeira unidade do seu pensamento não resulta de uma vocação unívoca, apolínea, mas de uma fragmentação dionisíaca, como todo o ‘pensamento em ação’”.
Benjamin adverte que a experiência precisa ser considerada fora da esfera da consciência empírica, dado que as condições de conhecimento são estabelecidas quando a experiência pode agir de modo alargado, o que envolve campos variados de investigação; numa investigação filosófica, por exemplo, não se descarta o papel da religião, da história e da linguagem, esta, considerada uma via de comunicação da essência do ser vivente. A experiência é, nesse aspecto, o guia do sujeito em relação às coisas, especialmente, quando se trata de despojar-se de todo e qualquer elemento subjetivo. Sendo, por isso, fundamental abandonar o meramente conceitual para adotar um pensamento por imagens – aberto –, aquele que admite rupturas, descontinuidades, ruínas, alegorias.
Para Molder (2010:55), na filosofia de Walter Benjamin “o conhecimento é uma forma de êxtase. O conhecimento autêntico pede uma espécie de embriaguez que nos torna lúcidos... confirmando um vínculo secreto entre contemplação e embriaguez...” Conhecimento, para o autor, é experiência daquilo que é possível alcançar quando um limiar (soleira) pode ser atravessado. Nesse contexto, conhecimento, como experiência alargada, remete para a origem da coisa, atesta algo de alegórico, triste, trágico e do luto; remete, ainda, para o futuro como possibilidade de superação de erros do passado e acertos vindouros pela reparação da história. Por isso, sua visão da filosofia da história e da epistemologia é aberta, passível de interpretações e investigações. Benjamin recusa, portanto, uma história fechada, acabada, aquela que ignora os fragmentos, as ruínas, as franjas, o outro lado. 
Então, como a crítica, a desmistificação e, ao mesmo tempo, a construção do conhecimento devem ser conduzidas pelo investigador da filosofia? Para Benjamin (2011:16), a filosofia precisa se posicionar como filosofia da arte, aquela que não ignora o estado da arte, as críticas, as contradições, as similaridades e as ambiguidades apontadas e as ignoradas, porque um objeto de investigação requer, do pesquisador, um olhar para muitas direções. Sendo fundamental considerar que “método é caminho não direto”, em qualquer investigação, “método é desvio”, pois “o labirinto é o caminho certo para aquele que sempre chega em tempo a sua meta... O caminho daquele que receia alcançar a sua meta traçará facilmente um labirinto [Esta meta é, para o flâneur, o mercado]” (BENJAMIN, 2009:384). Método não é um caminho linear, uma reta, uma via direta e segura que leva à compreensão do objeto numa investigação. Em virtude disso, é recomendável adotar o tratado (ensaio) como o tipo de método de investigação que não aprisiona a verdade e nem se prende pela busca da verdade, podendo ser um modelo de compreensão da forma da obra de arte, cuja contemplação filosófica remete para a ideia de uma constelação (de ideias) e seus fragmentos; traduz o esquartejar da obra como sendo “o procedimento mais apropriado para a filosofia” (MACHADO, 2004:46).
Pode ser pertinente nesse contexto o método dialético porque “...consiste em levar em conta, a cada momento, a respectiva situação histórica concreta do objeto”, entretanto, “isto não basta. Pois, para esse método, é igualmente importante levar em conta a situação concreta e histórica do interesse por seu objeto”(BENJAMIN, 2009:436); para elevar o olhar do investigador para uma visão da história que, além de ultrapassar a ideologia do progresso, possa compreender que “todo presente é determinado por aquelas imagens que lhe são sincrônicas: cada agora é o agora de uma determinada cognoscibilidade. Nele a verdade está carregada de tempo até o ponto de explodir...” (BENJAMIN, 2009:504).
Por isso, numa investigação filosófica “o próprio de cada escrita é, a cada frase, parar para recomeçar” (BENJAMIN, 2011:17). Isso demanda paciência, coerência, atenção e concentração; paradas, desvios, rupturas, retomadas, interrupção, renúncia, dissipação. A arte, por isso, deve ser pensada enquanto transformação constante, como passagem ou transição do culto à exposição. Para Benjamin (2011:17), o objetivo de uma obra de arte não pode ser o de “...arrastar o ouvinte e de o entusiasmar...”porque “a sua sobriedade prosaica, muito aquém do gesto imperativo de preceito doutrinário, é o único estilo de escrita adequado à investigação filosófica. O objeto desta investigação são as ideias”.
Será fundamental, então, investigar as ideias sobre a obra de arte na Origem do Drama Trágico Alemão do Século XVII porque “as ideias estão para as coisas como as constelações para as estrelas” (BENAJMIN, 2011:17). As ideias são relevantes numa interpretação objetiva dos fenômenos e, uma vez reunidas, constelam-se com outras ideias para revelar algo do objeto investigado porque as ideias podem durar o tempo necessário para revelar um fenômeno, algo da coisa. Sendo assim, os elementos podem estar próximos e longe ao mesmo tempo; são ambíguos porque presentes ou dispersos; não se aprisionam e nem aprisionam o pesquisador. Uma constelação de ideias é, para o autor, uma configuração do contexto, na qual os extremos e os elementos iguais ou divergentes podem, ou não, se encontrarem, “o conhecimento é um haver. O seu próprio objeto é determinado pela necessidade de ser apropriado pela consciência, ainda que seja uma consciência transcendental”. (BENJAMIN, 2011:17-8).
Numa investigação filosófica, o conhecimento alcançado pode ser questionado, como podem ser questionados o método e os elementos nele envolvidos. Por isso, Benjamin não defende a tese platônica de que a verdade é bela e inquestionável. O belo, para ele, pode provocar a verdade porque somos atraídos pelo brilho que resplandece dele, mas é preciso cuidado para não se ficar refém daquilo que resplandece do objeto de investigação e distanciar-se do próprio objeto. A verdade é algo inintencional, e, numa investigação filosófica sobre a arte, busca-se aquilo que pode afirmar ou negar o objeto da investigação, suas facetas, os elementos próximos e os distantes.
Para Benjamin (2011:21), a teoria do conhecimento científico revela sua incoerência metodológica quando ignora que, para cada campo do conhecimento, existem pressupostos e postulados filosóficos para serem seguidos obstinadamente e linearmente. Isso mostra a incoerência num campo epistemológico, o que torna fundamental, então, considerar a descontinuidade do método científico como algo relevante para não cair na sedução do conhecimento como simples “acumulação enciclopédica de conhecimentos”.
O método filosófico mais apropriado para a filosofia da arte será o tratado ou a contemplação filosófica, cujas “ideias só ganham vida quando os extremos se reúnem à sua volta” (BENJAMIN, 2011:23). Esses extremos só podem ser reunidos e organizados pelos conceitos, porque estes têm, como função, “agrupar os fenômenos, e a fragmentação que neles se opera por ação do entendimento analítico é tanto mais significativa quanto, num único e mesmo lance, consegue um duplo resultado: a salvação dos fenômenos e a representação das ideias” (2011:23). Todo esse esforço metodológico despendido pelo autor traduz sua preocupação para alcançar uma resposta como contradição dialética da intenção de conhecer a verdade porque não se busca a verdade quando se trata de conhecer uma obra de arte, mas ela pode aparecer através da razão inintencional. Mesmo assim, ela não poderá expressar aquilo que o objeto ainda pode revelar – o conhecimento como um haver.
Para Benjamin (2011:25), também é algo problemático, no âmbito da filosofia, a introdução de novas palavras, ideias, categorias – terminologias, pois, “cada ideia é um sol, e relaciona-se com as outras como os sóis se relacionam uns com os outros”. Cada ideia traz imanentes possibilidades de manifestação e pode se relacionar com outras ideias e suas possibilidades. Essa citação de Benjamin remete à ideia de constelação enquanto finitude descontínua, porque as coisas se relacionam sem, necessariamente, ter uma continuidade linear, uma relação direta, de convergência, de implicação, de bifurcação e de articulação. As coisas, enquanto fenômenos que lhes representam, estão numa constelação, mas elas (as coisas) não são as constelações, tal como o exemplo citado por Benjamin, para quem “o drama trágico (Trauerspiel)... é uma ideia” – uma ideia fundamental para a filosofia da arte, porque, quando apenas os extremos (as ideias) são importantes, o processo histórico se torna contingente. A história, no entanto, é sempre aberta.
É relevante compreender que uma ideia é diferente de um conceito por não ter uma classificação universal. Em vista disso, o drama trágico do Barroco alemão, como ideia, não pode ser compreendido como fazem alguns filósofos recorrendo a uma investigação indutiva, na qual se indagam às pessoas o que elas pensam, sentem e vivem de trágico. Esse tipo de pesquisa empírica é, severamente, refutada por Benjamin por ser um recorte superficial e fútil da realidade. Também uma investigação centrada, apenas, no aspecto linguístico não pode determinar ideias filosóficas por não servir como fundamento formal dos conceitos (são poucos rigorosos).
O autor cita, como exemplo, algo que se deve evitar quando se investigam autores trágicos como Ésquilo ou Eurípedes: colocá-los no mesmo nível que autores modernos que trabalham com a estética do trágico (séculos XVII e XVIII) por não se tratar de colocar em tensão a produção de autores, nem de colocar, em tensão, valores do trágico como fazem os modernos, que acabam sendo soterrados na tentativa de identificar aspectos comuns entre eles e os trágicos gregos; não se trata, também, de construir uma identidade que, nesse caso, seria algo pobre. É fundamental, portanto, não só trazer a ideia como fazê-la circular, assim como o sangue circula no organismo (BENJAMIN, 2011:28).
Na ciência e na linguagem, as palavras e os símbolos matemáticos são meios para representar a ciência; não podem, no entanto, representar uma obra de arte. Sendo assim, a palavra só encontra na ideia sua realidade essencial. Por isso, questões indutivas e dedutivas na arte, geralmente, descambam para visões intuitivas – descambam, portanto, para estados subjetivos do observador, projetados na arte (BENJAMIN, 2011:31).
Notadamente, a origem é uma categoria histórica e não uma categoria lógica. Assim, uma investigação começa quando o pesquisador demonstra que o fato que ele investiga possa revelar-se como um fenômeno de origem, algo autêntico – aquilo que se chama de selo de origem dos fenômenos, e sua descoberta será aquilo que traz à luz esse fenômeno – seja através de experiências ou manifestações da consciência, possibilitando, contudo, o reconhecimento dos fenômenos que se relacionam em certas investigações (BENJAMIN, 2011:35).
Também a categoria de mônada é relevante na compreensão da epistemologia proposta por Benjamin, considerando-se que o autor admite que a ideia é uma mônada – nela repousa, preestabelecida, a representação dos fenômenos como sua interpretação objetiva” (BENJAMIN, 2011:36). Benjamin se refere, textualmente, ao Discurso da metafisica de Leibniz, de 1686, para o qual, em cada ideia, estão presentes as demais ideias. A mônada, portanto, está relacionada com a ideia de constelação e de origem, “a ideia é uma mônada – isso significa, em suma, que cada ideia contém a imagem de mundo. A tarefa imposta à sua representação é nada mais nada menos que a do esboço dessa imagem abreviada do mundo” (BENJAMIN, 2011:37).
Assim, na história da investigação do Barroco, deve-se prestar atenção especial à metafisica de sua forma para apreendê-la em sua plenitude (BENJAMIN, 2011:37); por exemplo: a forma dramática, negada ao Barroco;o Romantismo alemão deixou de lado o patrimônio literário do Barroco; o teatro de Shakespeare, com liberdade e riqueza, eclipsou os autores do Romantismo alemão, pois, para os germânicos, o teatro de Shakespeare era pouco popular, por isso, suspeito.Prevaleceu, no teatro germânico, a frase polêmica “tudo para o povo, nada que venha do povo”. Nesse contexto, observar-se-ão as distorções e a incompreensão com o drama trágico (barroco) que o fizeram renascer “como um renascimento tosco do trágico” (p.39).Então, como um produto do Renascimento, destaca-se sua forma carregada de “defeitos estilísticos”, o qual, mais tarde, chamado de “drama de gabinete”.O drama trágico, no entanto, surge como drama renascentista alemão – mas foi ignorado pela fama que o fez cair no Renascimento;não há deleite no drama trágico a não ser pela montagem teatral,mas, sim, “uma forma de arte não pode ser determinada a partir da constelação dos seus efeitos” (p.41), talvez, pela constelação de suas ideias.Certamente,uma obra nasce da disposição subjetiva de um autor, mas, metodologicamente, ela não pode ser avaliada, apenas, pela subjetividade do crítico ou do observador, tampouco por uma análise de viés objetivo.Por isso, as investigações feitas no último século se afastaram de uma exploração crítica do Barroco.
A ‘empatia’ pode virar o disfarce do método numa investigação (BENJAMIN, 2011:43), tal como o Expressionismo propiciou o surgimento do Barroco, ainda que timidamente – em 1904, na literatura alemã – com a ruína dos preconceitos que havia contra ele, enquanto arte.Em 1915,ele desponta, com a peça As Troianas (de Eurípedes), em Franz Werfel, e também em Opitz. A preocupação central desses autores foi com “o instrumento linguístico e a ressonância do lamento... uma arte prosódica moldada sobre o recitativo dramático. É, sobretudo, no plano da linguagem que as analogias entre as criações barrocas e as do passado recente e contemporâneas são mais evidentes”.Contudo, ambas as épocas exageram. Pode-se verificar, por exemplo, que,nas épocas de decadência das artes, elas costumam afirmar seu voluntarismo. Nesse sentido, pode-se dizer “que se funda a atualidade do Barroco, depois do colapso da cultura classista alemã” (p.45).
Por isso, Benjamin busco uno Barroco uma linguagem capaz de dar conta da violência do presente através dos poemas épicos, dos neologismos (estilo patético), das expressões metafóricas, dos arcaísmos– todos eles são expressões barrocas,visto que a violência expressa o jogo de forças nos conflitos da realidade.
Para Benjamin, o literato barroco encontrava no Estado e na Igreja uma ligação. O literato da contemporaneidade, no entanto,em razão de seu caráter revolucionário, crítico,assume uma dessas posturas: ou de hostilidade ao Estado que o representa, ou de represália pela ausência de um Estado que possa representá-lo.
Fundamentalmente, é na Alemanha do século XVII que o Barroco renasce – ainda que pouca importância recebe em esse período.O Barroco alemão do século XVII se caracteriza por uma literatura complexa do ponto vista das técnicas por ele utilizadas, maturidade na uniformidade dos produtos, juízos de valor explicitados, redução do mundo contemporâneo e, também, da posteridade, carregado de uma natureza antitética; adoção de atitude soberana e distante, uma ideia de obra de arte como forma, “mesmo assim, não pode ser desprezado o perigo de sermos arrastados das alturas do conhecimento para as monstruosas profundezas da alma barroca” (BENJAMIN, 2011:47).
Benjamin encerra o prólogo deixando claro que sua mensagem sobre a investigação do Barroco precisa provocar o pesquisador no sentido de adverti-lo de que é fundamental aprender a abrir mão do conforto e da segurança num processo de investigação filosófica.
A tese de Benjamin, nessa obra, segundo Machado (2004), não trata de buscar a verdade do Barroco ou do teatro alemão do século XVII, mas de compreender o porquê de,também,no século seguinte, o século XVIII, ter se falado pouco do Barroco. Relevante, ainda, é tentar compreender por que o século XIX o descartou completamente. Fundamentalmente, o autor tenta mostrar que a alegoria barroca é uma forma de expressão da linguagem do teatro e da linguagem humana diante dos dramas da vida e da morte. Por isso, a verdade só pode ser encontrada na linguagem, a morada do homem– e só pode ser alcançada pela contemplação. Benjamin não reivindica uma verdade no sentido moral, mas no sentido artístico, estético.
As imagens do Barroco na obra de Benjamin convergem para uma contradição dialética e também para uma “dialética em repouso”, aquela que desarma o espírito do preconceito, da perseguição, das cobranças que não podem ser cumpridas, como as esperanças de um futuro que não se pode garantir ao homem. Essa dialética se constrói mediante a experiência do sujeito com o tempo, aquela que possibilita ao homem investigar sem contestar tudo e todos, sem necessitar duvidar e colocar todas as coisas em xeque-mate. Sem fazer cobranças de erros e sem se vingar do passado. Não é possível uma experiência formativa com um espírito assoberbado, vingativo, desencantado e desgastado. Torna-se, por tanto,fundamental buscar um mínimo de equilíbrio em meio a dores e sofrimentos, muitas vezes, atrozes, quase insuperáveis.
Por isso, no ensaio Experiência e pobreza, que, aqui, citamos como exemplo de investigação epistemológica, Benjamin atesta, em sua reflexão, a pobreza do presente, o que nos faz recorrer a uma linguagem vulgar, banal como essa do tempo em que estamos vivendo; pobreza que se traduz, também, pela falta de experiências significativas. Assim, ao narrarmos histórias das tragédias cotidianas, reforçamos o espírito de banalidade do presente.
Nesse ensaio, Benjamin (1994) aponta a miséria da experiência na sociedade capitalista contemporânea; pobreza da experiência que retrata parte da pobreza do mundo – uma nova barbárie humana, que amesquinha e empobrece a vida. Por isso, as imagens dialéticas são imagens alegóricas, traduzem também os lamentos, as fragilidades e as turvações, ao modo de uma constelação. O conhecimento, assim, para Benjamin, pode ser um canto ou um florescimento alegórico. Compreende-se porque ele abandona o conceito para adotar as imagens, fazendo da história significação e morte, potência e limite, ação e passividade.
Portanto, a pobreza da experiência, no presente, tem a ver com a impossibilidade histórica de experiências significativas, formativas, na escola ou fora dela; tampouco se podem negligenciar as possibilidades de construção de experiências significativas na família, numa sociedade, nas redes de convivência e sociabilidade das pessoas.Por isso,é imprescindível considerar que uma experiência significativa não está isenta de uma ética perante o passado, bem como o novo, o diferente, o desconhecido, cujo saber ou conhecimento que se constrói deve ser considerado fruto de motivações e ações éticas e estéticas.
Benjamin (1994:114) se vale da metáfora da vinha e do ouro, a lenda de um pai que,no leito de morte,conta, para os seus filhos, sua experiência com as vinhas; fala da existência de um tesouro que parece algo abstrato para os filhos quando ele conta. Tempos depois, no entanto, os filhos compreendem que “a felicidade não está no ouro, mas no trabalho”.Pode-se, aqui, questionar de quem, como, quando, por que e para quem é possível, ainda, contar experiências significativas, sem duração, com plena abolição do tempo.
A pobreza do mundo contemporâneo arrasta multidões na busca de sobrevivência ou na esperança de um mundo mais “feliz”, o que “revela, com toda clareza, que nossa pobreza de experiências é apenas uma parte da grande pobreza que recebeu novamente um rosto, nítido e preciso como o de mendigo medieval. Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?” (BENJAMIN, 1994:115). Constata o autor que a pobreza da experiência, que não é pessoal, nem está restrita a um único local, país, mas que aparece e se fortalece como um “patrimônio maldito” e habita sorrateira e, às vezes,explicitamente, entre os homens de todos os lugares e condições sociais, alcançou a humanidade, porque“...essa pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade. Surge assim uma nova barbárie” (p.115).
Isso explica porque poetas, escritores e arquitetos “...rejeitam a imagem do homem tradicional, solene, nobre, adornado com todas as oferendas do passado, para dirigir-se ao contemporâneo nu, deitado como um recém-nascido nas fraldas sujas de nossa época” (p.116).
Para o autor (1994:118), os homens não almejam experiências novas para enfrentar a liberdade, e temendo a realidade, refugiam-se nos sonhos, a fim de compensar os desencantos mundanos: a noite parece compensar as dores diurnas. O homem sonha com um milagre como aquele que acontece com o camundongo Mickey, que elimina todos os inimigos e vive um processo mágico.
Portanto, para Benjamin, a experiência humana está sendo, cada vez mais,tragada e regulamentada pela ciência, o que torna relevante rememorar o passado a fim de que se possa contribuir para a transformação do presente.
De acordo com Benjamin, o conhecimento alegórico que nos é ofertado está repleto de traumas e tragédias do passado, de choques e conflitos do presente. Considerando-se que uma organização ética do passado permite refletir e repensar a memória do passado, sem adulteração, sem espírito de vingança ou pedido de retratação, deve-se pedir ao homem que não repita, no presente, os erros do passado, ajudar o homem eticamente, a não repetir os erros das gerações que precederam a sua.
 
Bibliografia
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______. Prefácio Epistemológico-crítico (pp.15-47). In. Origem do drama trágico alemão. Edição e tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
GAGNEBIN, J.-M. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2011.
KONDER, L. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
MACHADO, F. de A. P. A crítica do conhecimento (Capítulo II – pp.45-82). In______. Imanência e História: A crítica do conhecimento em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG, 2004.   
OTTE, Georg; SEDLMAYER, Sabrina; CORNELSEN, Elcio. Liminares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
SALGADO, Ernesto. Franz Kafka e Walter Benjamin dois olhares que nos interpelam com força. In: BENJAMIN, W. Kafka. Lisboa: Hena, 1994.
 

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