28/03/2024

Alfabetização aos seis anos, sentimentos mistos e controle da emoção: desafios para educadores emancipadores

Por

Moacir de Góes

[1]

UNIMEP/Piracicaba

 
 

Resumo

Neste artigo objetiva-se, inicialmente, analisar e compreender as situações que provocam emoções básicas nas crianças, como alegria ou raiva e também aquelas situações que podem provocar orgulho e culpa, sentimentos mais complexos. Como os educadores têm trabalhado esta ambivalência de sentimentos extremamente difícil para as crianças? Estudos de Harris (1996) demonstraram que as crianças a partir dos cinco anos já reconhecem conscientemente a ambivalência destes sentimentos. Adorno (2009) adverte que “segundo o seu próprio sentido, o pensar é pensar de algo” e é importante que educadores e educandos percebam as situações que suscitam sentimentos positivos e negativos nas suas relações. As representações sociais que temos das crianças e as que elas têm da escola, do educador e da família criam uma tensão angustiante que afeta a todos no tempo e no espaço, e precisam ser analisadas com muita calma para que se possa desenvolver atividades pedagógicas e psicológicas que possibilitem às crianças lidar da melhor forma com o processo de alfabetização. Nenhum educador está isento desta processo angustiante, podendo determinar que nossas ações sejam alienadas, acríticas, mecânicas ou emancipadoras. Em resumo, considerando que as representações que temos de nossos educandos são fenômenos mediadores do nosso pensar, falar, olhar e agir, determinando a nossa prática pedagógica, é fundamental conhecer e saber como trabalhar estas representações em sala de aula.
Palavras-chave: alfabetização, sentimentos e representações sociais.
 
 
Introdução
O que se busca neste artigo é expor conceitos fundamentais que precisam ser compreendidos pelos educadores que trabalham no processo de alfabetização com crianças de seis anos, em especial para a compreensão da dimensão afetiva e de sua relevância no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. É muito importante estar atento e suscitar reflexões sobre a prática daqueles que têm a tarefa de encantar as crianças com o mundo das letras e seu significado.
 O educador emancipador, na concepção de Walter Benjamin, deve levantar sua mascara e cuidar dos valores da vida. Vejamos:
 
[...] Mas conhecemos outros pedagogos cuja amargura não nos proporciona nem sequer os curtos anos de “juventude”; sisudos e cruéis querem nos empurrar desde já para a escravidão da vida. Ambos, contudo, desvalorizam, destroem os nossos anos. E, cada vez mais, somos tomados pelo sentimento de que a nossa juventude não passa de uma curta noite (vive-a plenamente, com êxtase!); depois vem a grande “experiência”, anos de compromisso, pobreza de ideias, lassidão. Assim é a vida, dizem os adultos, eles já experimentaram isso (BENJAMIN, 2009, p. 22).
 
Nesta citação de Benjamin, nota-se que tanto os educadores bem intencionados e esclarecidos, como os sisudos e cruéis, tentam impor aos educandos suas experiências de vida, já amadurecidos e carregados de brutalidade. Como estes educadores/alfabetizadores lidam com os processos de integração destas crianças ao meio escolar, às outras crianças, ao mundo cultural novo... Seus sentimentos, emoções, paixões, afetos nos seus diferentes estágios, como lidar com tudo isto?
 É preciso indicar possíveis caminhos, que consideramos fundamentais para construir um projeto pedagógico que possa levar a um ensino-aprendizagem mais produtivo e mais satisfatório, tanto para o educador/alfabetizador como para o educando.
Sabemos que o processo ensino-aprendizagem precisa ser analisado como uma unidade, já que não há ensino sem aprendizagem e neste sentido, deve-se construir juntos esta unidade: a relação interpessoal professor-aluno deve ser construída considerando-os atores concretos, históricos com suas bagagens que o meio lhes ofereceu e o seu desenvolvimento é um processo sempre aberto.
O educador/alfabetizador no processo ensino-aprendizagem é o recurso fundamental: sua compreensão, seu reconhecimento da necessidade de buscar mais formação e recursos didáticos, sua percepção do emocional e cultural de cada criança e, em especial, o papel da afetividade nesse processo, são elementos importantes para se alcançar um resultado de excelência.
Neste artigo vamos discutir o processo de interação social, a atuação pedagógica do educador/alfabetizador, a percepção das emoções e afetividades das crianças aos 6 anos e a participação da família neste processo.
 
O papel da afetividade no desenvolvimento da criança
A psicologia entra na instituição Escola para resolver um conflito extremamente angustiante para pais e educadores: “Por que as crianças não aprendem?”. Essa pergunta estava presente nos primeiro estudo da área, ficando ainda mais evidente com a criação dos testes psicológicos que serviam para mensurar a inteligência e as aptidões individuais. Coube à psicologia científica buscar a explicação e a mensuração das diferenças individuais (Patto, 1999). No início do século XX a Psicologia Diferencial e a psicometria tornaram-se ainda mais evidentes, pois passaram a serem utilizados na área empresarial para melhorar a eficiência produtiva. Nesta época acreditava-se que o psicólogo trabalharia apenas sob as pessoas e por isso deveriam ajudá-las a se adaptarem ao seu ambiente de trabalho. Desta forma, se a psicologia poderia ajustar um individuo no seu ambiente de trabalho, por que não conseguiria ajustar crianças à escola?
Busca-se com esta premissa focar o problema no indivíduo, sendo função do psicólogo aconselhá-lo para que ele pudesse, então, produzir mais. Assim a psicologia, ficou, por muito tempo, restrita no campo da educação como forma de mensurar a inteligência para poder entender as dificuldades no processo de alfabetização.
Piaget foi um dos primeiros pesquisadores a se preocupar com o papel da afetividade no desenvolvimento da criança. Biólogo, que se dedicou às áreas da Psicologia, da Educação e da Epistemologia para responder a seguinte questão: Como se constrói o conhecimento? Ele tenta romper com a visão dicotômica do ser humano, dizendo que este sempre vai ter dois aspectos, o racional e o afetivo e toda ação só pode ser explicada pela interação de ambos.
Ele busca em Freud a idéia de energia para explicar a afetividade, acreditando que a meta de uma ação será sempre dada pela energia afetiva. Assim, para Piaget a motivação e o objetivo que leva à ação é essencialmente afetiva, sendo que os meios para execução dessa ação são dados pela inteligência. Portanto, para ele, afetividade e inteligência estariam sempre relacionados cognitivamente, sento toda conduta racional e afetiva ao mesmo tempo. No entanto, ele afirma que mesmo que os dois aspectos estejam sempre presentes, eles apresentam papéis e naturezas diferentes no desenvolvimento da criança.
Toda conduta supõe instrumentos ou uma técnica, que são os movimentos dados pela inteligência, mas também implicam em modificações de valores, que são os sentimentos. Afetividade e inteligência são indissociáveis e constituem dois aspectos complementares de toda conduta humana. O aspecto cognitivo das condutas constitui-se na sua estruturação e o afetivo na sua energética, sendo que este seria o que impulsionaria a inteligência a funcionar.
Aproximando-nos mais da Psicanálise, podemos pensar como esta contribui no processo formador educacional e qual o seu papel dentro da Educação. Para pensar em psicanálise e educação é preciso, antes, compreender o significado de ambos a fim de verificar se são distintos ou se algum pode fazer parte do outro. E, após essa verificação, buscar os possíveis papéis e como se relacionam tanto na vida do sujeito quanto na sociedade, bem como suas possibilidades e limites.
Educação é aqui entendida como algo que tem papel fundamental na função de constituidora de um sujeito (Millot, 2001). É por isso que educar vai além da escola: a família educa, a sociedade educa, a escola educa e, nesse sentido, a psicanálise também educa. Ou seja, quando se fala em escola, esta educa o sujeito, o constitui, por meio de uma ferramenta, a pedagogia, visando uma entrada nos conformes da sociedade, no conhecimento padrão cultural e de linguagem exigidos por esta, incluindo comportamentos. Já a psicanálise vai educar o sujeito por meio da análise, visando autoconhecimento (Millot, 2001). Podemos dizer, então, que a psicanálise também está dentro da educação – não são distintas.
Para Millot (2001) existiriam dois tipos de educação: a pedagógica e a analítica. As diferenças entre essas duas, quase que opostas em suas funções específicas – já que, no geral, ambas constituem o sujeito visando que este saia do princípio do prazer para o princípio da realidade -, é justamente o que torna seu trabalho em conjunto o mais enriquecedor possível, tanto no âmbito individual, quanto no social. Enquanto a análise quebra recalques, a pedagogia os reforça (Millot, 2001). Essa é uma das diferenças fundamentais que regerá o raciocínio que se segue.
 A pedagogia virá para reforçar os recalques, preparando o sujeito para a vida em sociedade, pois a vida social exige limites para que o sujeito possa ser o mais independente possível. Isso porque um sujeito sem limites não tem espaço na sociedade, ele dificilmente sobreviverá a um mundo de neuróticos em que, se regras não forem seguidas, sérias conseqüências podem ocorrer como: prisão, manicômio, morte, isolamento. Então, ter consciência das regras sociais e compartilhar conhecimentos padrões, falar a mesma língua (não só o idioma, mas compreender o universo em que estão inseridos) contribui para a inserção do sujeito na sociedade e é um caminho para torná-lo o mais livre possível. Assim, é possível afirmar que o individuo sozinho não sobrevive e ele acaba abrindo mão de suas pulsões para poder viver em sociedade (Enriquez, 1999).
É importante aqui ressaltar o que estamos chamando de “o mais livre possível”. Partimos do preceito de que liberdade plena é quase impossível de ser almejada, pois, de acordo com sua definição, seria a capacidade do ser de decidir ou agir de acordo com a própria determinação. Essa “própria determinação” é dificultada pela questão do inconsciente. Ser o mais livre possível seria o sujeito aproximar-se da liberdade, aproximar-se da própria determinação, dentro de suas possibilidades: para ele poder escolher sem ter sua liberdade corporal e mental atingida é preciso compreender regras e, ao mesmo tempo, lidar ao máximo com as questões de seu inconsciente para que este não seja um fator muito limitador em sua vida.
Retornando à questão do reforço de recalque pela pedagogia, cumpre demonstrar, no entanto, não ser suficiente nesse trajeto rumo à independência, como introduzido anteriormente. A análise complementa a constituição do sujeito por meio da quebra de recalques, proporcionando autoconhecimento. Isso vai permitir que o Überich (super-eu) seja composto de fatores e não de uma figura. O risco que há na instalação de uma figura no super-eu é o sujeito ter um ideal de eu que não é ela: é outro, impedindo o desenvolvimento de um sujeito o mais livre possível no sentido de ele estar assujeitado a ser uma cópia, o que em termos de sociedade, não acrescenta muita coisa, sem contar as patologias que podem decorrer de um ideal de eu muito rígido e inalcançável. O super-eu, assim, deve formar-se com elementos introjetados de figuras de autoridades e não ser uma figura de autoridade introjetada pelo sujeito.
 
Freud, entretanto, dá a entender que uma educação acabada, isto é, bem-sucedida, deveria permitir a superação da dependência do sujeito para com as figuras parentais. O educador – bem como o analisa - deveria visar, através da resolução do Complexo de Édipo, à sua própria diluição como figura ideal. (MILLOT, 2001, p. 132)
 
Neste contexto o educador precisa tomar muito cuidado para não aproveitar-se desta posição que ele assume no psiquismo da criança, tornando-se extremamente autoritário transmitindo para as crianças suas ideologias, como se estas fossem delas. Deve tomar cuidado para não projetar neles seu Eu-ideal, gerando expectativas que talvez não caibam a estas crianças.
As funções da análise e da pedagogia não devem ser misturadas, mas o conhecimento psicanalítico básico é importante para o educador. Isso porque na escola, por exemplo, o professor utiliza a transferência para ensinar – ele é a figura de autoridade que pode se instalar no super-eu da criança. Dessa forma, ele atua na função paterna, na imposição da lei, reforçando a repressão. A falha na educação, no entanto, é quando a partir disso o professor, como figura de autoridade, quer dominar o inconsciente da criança quando nem ele domina o próprio inconsciente. É preciso a consciência de que “o eu não é mais senhor em sua própria casa”. Isso evita o abuso de autoridade por parte do professor, tendo consciência de seu papel no super-eu da criança, bem como a ocorrência de transferências negativas para a criança.
A análise do professor também contribuirá para que ele não projete no aluno seus ideais, aproveitando-se por ocupar o lugar do super-eu e fazendo com que pareça que esses pertencem à criança. Ele também conseguirá perceber as falhas de sua educação para não reproduzi-las no aluno, como por exemplo: reprimir demais uma energia que pode ser redirecionada para outro fim, aproveitando assim o potencial criativo da criança. Millot (2001) parece acreditar que a análise do professor contribuiria para que ele se percebesse ser um bom educador, sem, no entanto, abusar de sua autoridade, fazendo que ele encontrasse mais facilmente o ponto ótimo entre dar mais liberdade aos alunos, e reprimi-los, quando necessário. Nota-se que o conhecimento psicanalítico pode promover um relacionamento entre aluno e professor menos problemático.
 
A criança deve aprender a controlar seus instintos. É impossível conceder-lhe liberdade de por em prática todos seus impulsos sem restrição. Fazê-lo seria um experimento muito instrutivo para os psicólogos de crianças; mas a vida seria impossível para os pais, e as próprias crianças sofreriam grave prejuízo, que se exterioriza, em parte, imediatamente, e, em parte, nos anos subseqüentes. Por conseguinte, a educação deve inibir, proibir e suprimir, e isso ela procurou fazer em todos os períodos da história. Na análise, porém, temos verificado que precisamente essa supressão dos instintos envolve o risco de doença neurótica. (...) Assim, a educação tem de escolher seu caminho entre o Sila da não-interferência e o Caríbdis da frustração. A menos que o problema seja inteiramente insolúvel, deve-se descobrir um ponto ótimo que possibilite à educação atingir o máximo com o mínimo de dano. (FREUD, 1933, p.147)
 
A análise do sujeito – tanto do aluno quanto do professor e dos pais do aluno – permite maior liberdade do sujeito, pois nessa situação de reforço de recalque por figuras de autoridade pode se cristalizar no super-eu do ser submetido a este processo. O super-eu deve ser constituído pelo eu do sujeito dentro da sociedade, na medida de suas possibilidades, por fatores de diversas figuras que ele escolhe ao longo da vida como ideais de eu, e não por uma só figura de autoridade. Assim o ideal de eu é uma construção do eu e não apenas a pura introjeção de uma figura já pronta de outro. Assim, a análise permite uma melhor compreensão do sujeito de si mesmo e dos outros, facilitando os processos com os quais o educador se depara; entre eles reconhecer a individualidade das crianças, inferir alguns pensamentos, dar uma quantidade exata de amor, sem que perca a posição de autoridade que ocupa.
Pode-se observar que a dinâmica entre análise e pedagogia, por si só, estabelece as possibilidades e limites de cada uma. Enquanto a educação analítica limita as possibilidades do reforço do recalque, a pedagógica limita as possibilidades da quebra de recalque. O desejado para a libertação do sujeito é o equilíbrio: nem excesso de recalque, nem falta deste. O recalque permite a adequação à sociedade e a falta dele, na medida “certa” (no sentido de manter a adequação), permite autonomia de pensamento e sujeitos cada vez mais autênticos. Podemos imaginar a tragédia que seria um ser educado de forma totalmente pedagógica ou totalmente analítica: no primeiro caso, ele seria a mera reprodução de um sistema, apenas uma ferramenta que repete sem pensar. No segundo caso, sua vida em sociedade poderia tornar-se impossível, pois uma das funções do recalque é a suportabilidade da vida em sociedade. Por isso fala-se que existem recalques constitutivos e os sintomáticos – os primeiros são necessários à sociabilidade enquanto os segundos geram sofrimento.
Assim, Millot, em “Freud Antipedagogo” (2001) parece chegar à conclusão de que não é possível falar em uma educação analítica no sentido de que a psicanálise poderia trazer novas diretrizes para melhorar a educação. Ela diz que a psicanálise tem muito a contribuir na educação, mas não no sentido de refazê-la, mas de dar luz aos educadores para que o verdadeiro objetivo da educação seja alcançado sem muitos prejuízos à criança.
Ela nos mostra que a educação, tem uma natureza repressiva e que visa adaptar as crianças às exigências sociais, no entanto cabe ao educador saber colocar-se como autoridade sem reprimir demais a criança. A educação seria então uma questão de tato, um lugar em que se deve encontrar um meio termo entre a liberdade e a coerção.
Millot (2001) compara o processo educacional ao processo psicanalítico e mostra que, mesmo tendo a mesma finalidade de levar o individuo do princípio do prazer ao princípio de realidade, ambos trabalham de forma opostas.
 
Assim como o educador, o analista incita o paciente a superar o desprazer, utilizando, também como ele, as armas da transferência. Mas não se alia aos mesmos poderes, nem persegue os mesmos fins. (MILLOT, 2001, p.131)
 
No entanto, a ação deles são extremamente contrárias, pois enquanto o educador trabalha através da transferência, o analista deve levar o sujeito a superar suas relações transferências e não deve assumir a posição de Super-eu que o educador assume. Enquanto ao educador cabe alguma repressão para uma melhor adaptação ao mundo, ao analista esta não pode existir, mas cabe aos dois saberem redirecionar a energia psíquica que causa angustia para outro objeto.
Millot ainda se pergunta sobre uma possível analise em crianças e para isso confronta Anna Freud e Melanie Klein e no fim conclui que não só é possível fazer análise com crianças, como também seria muito benéfico para elas, desde que o educador não fosse confundido com o psicanalista, concordando com Klein. Anna Freud diz que análise com crianças deve ser feita de outro modo e em sua teorização acaba-se misturando os papeis do psicanalista e do educador (Millot, 2001). A autora diz que a psicanálise viria para complementar a educação e por esse motivo deveria ser feito por pessoas distintas, não cabendo ao psicanalista ocupar o lugar de educador e vice-versa. Segundo ela a psicanálise teria função de preparar o terreno para a educação.
Voltando-se um pouco mais para o pensamento freudiano, proponho-se aqui a discussão de dois textos importantes de Freud que mais se aproximaram da questão educacional
No “O Interesse Científico da Psicanálise” Freud vai dar ênfase ao Inconsciente, justificando a existência deste e explicando como, através da análise é possível penetrar um pouco neste campo. Freud mostra como a descoberta do Inconsciente foi importante, de modo que é possível estabelecer uma relação dele com diversas áreas da ciência, entre elas a educação.
Na educação, ele mostra que somente uma pessoa que á capaz de entender a mente das crianças é capaz de educá-las, no entanto a dificuldade se encontra no fato de que adultos dificilmente entendem as crianças uma vez que já não se lembram mais de sua infância.
 
Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância. (FREUD, 1913, p.190)
 
A psicanálise, veio então traduzir os desejos e estruturas de pensamentos das crianças e explicar que a amnésia dos adultos em relação à infância é derivada de um mecanismo de defesa que tem origem na infância ( na época do Complexo de Édipo). Freud diz que conhecer as fases do desenvolvimento sexual infantil, ajudaria aos educadores a lidarem com as crianças sem serem severos demais. A psicanálise faria com que eles entendessem que certas coisas são naturais nas crianças e que reprimir de forma autoritária e violenta talvez fosse algo pior do que não reprimir.
 
Quando os educadores se familiarizarem com as descobertas da psicanálise, será mais fácil se reconciliarem com certas fases do desenvolvimento infantil e, entre outras coisas, não correrão o risco de superestimar a importância dos impulsos instintivos socialmente imprestáveis ou perversos que surgem nas crianças. Pelo contrário, vão se abster de qualquer tentativa de suprimir esses impulsos pela força, quando aprenderem que esforços desse tipo com freqüência produzem resultados não menos indesejáveis que a alternativa, tão temida pelos educadores, de dar livre trânsito as travessuras. (Freud, 1913, p. 191)
 
A ideia central a que Freud quer chegar é que é preciso conscientizar os educadores que embora eles saibam da existência do inconsciente isso não os permite ter controle sobre ele, afinal ele é soberano sobre nós. Os educadores devem entender que reprimir os impulsos infantis não significa extingui-los e que talvez essa energia fosse mais bem aproveitada se fosse redirecionada a outra atividade ou objeto (sublimação).
Neste sentido podemos pensar que a educação é muito mais eficaz quando há interesse por parte da criança, em que fica evidente um amor por aprender e este só é possível através da sublimação de impulsos eróticos. É como se Freud nos mostrasse que não precisamos lutar com as crianças para que elas aprendam, basta sabermos lidar com a energia que elas têm para investir de modo a redirecioná-la a algo mais benéfico, tornando a vida em sociedade possível.
Na “Conferencia XXXIV” Freud fala da importância crucial que tem os primeiros anos de vida do individuo na sua formação, afinal, segundo ele, a criança tem, num curto espaço de tempo, que assimilar toda cultura e sua complexidade que se estabeleceu ao longo da História, inclusive aprender a controlar seus instintos e se adaptarem a sociedade. Deste modo ele nos mostra que muitas coisas devem ser impostas a criança pela educação.
 
Percebemos que a dificuldade da infância reside no fato de que, num curto espaço de tempo, uma criança tem de assimilar os resultados de uma evolução cultural que se estende por milhares de anos, incluindo aí a aquisição do controle de seus instintos e a adaptação à sociedade – ou, pelo menos, um começo dessas duas coisas. Só pode efetuar uma parte dessa modificação através de seu desenvolvimento; muitas coisas devem ser impostas pela educação.  (FREUD, 1933, p.145)   
 
Ele mostra-se consciente da função da educação de inibir os impulsos das crianças, pois seria impossível conceder-lhes total liberdade para praticar seus instintos. Porém essa inibição corre o risco do aparecimento mais tarde de uma doença neurótica. Por isso a educação deveria descobrir o quanto proibir e quando e como fazer isso.
Freud ainda nos surpreende com sua brilhante colocação de que é quase impossível que um mesmo método educativo possa ser uniformemente bom para todas as crianças, uma vez que cada uma dela se deixará influenciar por disposições inatas muito diferentes.
Ele fala ainda da importância de professores e pais fazerem análise, no sentido que, através desta, eles reconheceram as falhas da educação que eles tiveram e serão mais tolerantes com as crianças. Esta também os ajudará a reconhecer a individualidade constitucional de cada criança, possibilitando que eles reflitam sobre o que se passa na cabeça delas através de pequenos indícios.
 
Se considerarmos agora os difíceis problemas com que se defronta o educador — como ele tem de reconhecer a individualidade constitucional da criança, de inferir, a partir de pequenos indícios, o que é que está se passando na mente imatura desta, de dar-lhe a quantidade exata de amor e, ao mesmo tempo, manter um grau eficaz de autoridade —, haveremos de dizer a nós mesmos que a única preparação adequada para a profissão de educador é uma sólida formação psicanalítica. Seria melhor que o educador tivesse sido, ele próprio, analisado, de vez que o certo é ser impossível assimilar a análise sem experimentá-la pessoalmente. A análise de professores e educadores parece ser uma medida profilática mais eficiente do que a análise das próprias crianças, e são menores as dificuldades para pô-la em prática. (FREUD, 1933, p. 147)
 
As crianças aos seis anos já podem reagir à expressão de emoção da pessoa que a educa e demonstrar seus sentimentos em relação ao objeto ou acontecimento no mundo que a cerca. Interpretam os sinais de alegria ou apreensão dirigidos a um objeto e se aproximam ou se afastam do objeto em questão. É fundamental que pensemos a educação como um processo sócio-politico-econômico e cultural e com as contribuições da Psicogenética de Piaget, juntamente com a Psicanálise de Freud contribuam para a construção de um processo de educação com relações ativas, criticas e dialogais que promovam a emancipação de educadores e educandos dentro e fora da escola.                                                                                                                                                                                                              
 
Considerações finais
Tanto na criança como no adulto o processo de desenvolvimento está sempre aberto e inacabado, mas os princípios que regulam os recursos de aprendizagem são os mesmos, porém em tempo e maturação diferentes. No inicio este processo se faz pelo sincretismo, passando em seguida para a diferenciação.
Outra fase é o da imitação, quando as pessoas ao seu redor servem de modelos. Neste processo há uma relação dialética com o processo de oposição; a criança faz jogos de alternância e constrói sua personalidade para a vida inteira.
Uma fase muito importante é a do acolhimento, quando a criança espera o reconhecimento da família, dos amigos, colegas e professores; ainda que o processo de alfabetização não se desenvolva ao mesmo tempo, ele quer ser aceita e amada pelos que vivem em seu entorno.
Nesta fase também há o desenvolvimento afetivo e congnitivo e as atividades neste período precisam corresponder ao seu ritmo, pois cada criança é uma pessoa completa, com suas limitações e possibilidades próprias.
No espaço escolar há situações de conflitos diariamente e sabemos que a emoção é contagiosa, portanto o educador/alfabetizador, de forma equilibrada, precisa conhecer e saber usar os recursos para controle das emoções e sentimentos, e, o mais importante, canalizar estas energias para atividades e diálogos emancipadores e não repressores.
Finalizando, deve-se compreender que o processo ensino-aprendizagem, assim como as teorias educacionais, sofre de fluxos e refluxos, certezas e duvidas e, neste vai e vem, todos estão sujeitos a reformulações constantes. O educador emancipador opõe-se à dominação pela iluminação da realidade, prepara o educando para enfrentar a dominação, estimula os sujeitos históricos a construírem seus próprios caminhos e busca constantemente conhecer mais para se emancipando também emancipar seus alunos.
 
 
 
Referencias Bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. 2. ed. Trad. Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: Ed. Duas Cidades e Ed. 34, 2009.
ENRIQUEZ, Eugène. Da Horda ao Estado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1984.
FREUD, Sigmund. Obras completas de Sigmund Freud. Vols: XXII e XXIII. Trad. Sob direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
HARRIS, Paul L. Criança e Emoção. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MILLOT, Catherine. Freud Anti-pedagogo. Buenos Aires – Argentina – Ed. Paidos, 1990.
OLIVEIRA, Zilma Moraes Ramos (org). Educação infantil: muitos olhares. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 1996.
PATTO, M. H. S. P. Produção do Fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
PIAGET, Jean, Inconsciente Afetivo e Inconsciente Cognitivo. Rio de Janeiro: Forense, 1972
 
 
 


[1] Mestre em Educação pela Unicamp; doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNIMEP/Piracicaba; Professor da área de Humanas da Faculdade de Tecnologia de Mococa; Diretor de Escola da SEE/SP (EE Dona Sinhá Junqueira – Ribeirão Preto); Pesquisador do Grupo de Pesquisa “Teoria Crítica e Educação” sob a liderança de Bruno Pucci; Pesquisador do Núcleo de História e Filosofia da Educação Grupo de Pesquisa: Walter Benjamin, Filosofia, Educação (PPGE-UNIMEP e Bolsista CAPES/2013.
 

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