23/04/2024

Religión y politica como proceso de desalienación del marxismo latinoamericano: José Carlos Mariátegui na lectura de Michael Löwy

Por

 

Deni Ireneu Alfaro Rubbo[1]
 
 
Todo verdadeiro conhecimento provoca redemoinhos.
Walter Benjamin
 
 
Resumo: Dividido em duas partes, este artigo almeja apresentar e sistematizar a evolução da leitura peculiarmente crítica de Michael Löwy sobre o pensamento de José Carlos Mariátegui. Em um primeiro momento, o sociólogo franco-brasileiro realiza uma análise predominantemente assentada na figura política de Mariátegui, destacando seu pensamento como expressão mais vigorosa e original diante de um quadro histórico de surgimento do marxismo na América Latina. Em um segundo momento, sob nítida influência das teses “Sobre o conceito da História” de Walter Benjamin – ponto de inflexão que altera sua visão de mundo marxista –, a compreensão de Löwy com relação à obra mariateguiana é (re)dimensionada. Ele aproxima o pensamento do jornalista peruano da corrente marxista romântico-revolucionária – distanciando-o de maneira irresoluta do ideário positivista e do “culto supersticioso da ideia de Progresso” – na qual a dimensão espiritual, ético-social e religiosa da luta revolucionária assume vital importância. Tal leitura amplia o espectro de análise do conjunto da obra de Mariátegui, e apoia-se do ponto de vista metodológico na indistinção entre o lado político-organizativo e o literário-cultural do pensamento do teórico peruano, o que pode suscitar leituras comparativas ainda inexploradas, principalmente no domínio da sociologia da cultura e da religião.
Palavras-chave: Marxismo. América Latina. Romantismo. Michael Löwy. José Carlos Mariátegui.
 
 
José Carlos Mariátegui, sentinela do marxismo latino-americano
José Carlos Mariátegui[2] é um dos mais importantes revolucionários da América Latina, cujo pensamento continua sendo objeto de discussões acirradas no meio acadêmico e político, mesmo depois de oitenta e dois anos de sua morte. É verdade também que existe uma quantidade enorme de trabalhos científicos publicados acerca de sua obra, submetendo-a exaustivamente a interpretações das mais diferentes matizes, desde a pluralidade de sua formação até a maturidade intelectual e política do autor. Todavia, as diferentes interpretações – até mesmo as rivais – possuem um núcleo afirmativo unânime: atribuem a seu pensamento complexo e polimórfico uma originalidade e espírito criativo sem precedentes na história do pensamento marxista latino-americano. Desse modo, Mariátegui conseguiu levar a cabo uma interpretação marxista realmente genuína, que não fosse cópia teórica, mas criação teórica da realidade latino-americana.
É interessante destacar que, no caso do Brasil, onde Mariátegui é praticamente um desconhecido na cultura política brasileira[3], a força de seu pensamento conseguiu exercer influência em prestigiosos pensadores da sociologia e da crítica literária do país, como Florestan Fernandes (1994) e Alfredo Bosi (1993). Fundador da sociologia brasileira, além de divulgador da principal obra mariateguiana no país – o afamado Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, publicado em meados dos anos de 1970 –, Florestan Fernandes provavelmente inspirou-se também no conjunto da obra do jornalista peruano para realizar uma análise histórico-concreta da formação econômico-social brasileira, A revolução burguesa no Brasil. Ademais, em seu último ano de vida, em 1994, dedicou um artigo exclusivamente sobre a atualidade política de Mariátegui, destacando sobretudo “sua discreta defesa intransigente do marxismo” como criatividade crítica para realizar uma interpretação radical e refinada da particularidade dos países periféricos do capitalismo.
Embora este artigo não tenha como objetivo compreender propriamente o conjunto da obra do “pai” do marxismo latino-americano, mas apresentar e analisar a evolução da leitura peculiarmente crítica de JCM por Michael Löwy, não se pode deixar de apontar pelo menos três coordenadas de caráter metodológico – sugeridas pelo historiador Flores Galindo (1994) – para uma análise profunda e de qualidade sobre o socialismo de José Carlos Mariátegui.
Em primeiro lugar, não custa recordar que Mariátegui morreu muito jovem (35 anos!) e deixou uma obra inconclusa. Seu itinerário não constituía um sistema, um todo coerente e organizado a partir de certas referências conceituais e metodológicas rígidas. A formação de seu pensamento é inerente à atmosfera que vive em cada momento, fazendo-se e refazendo-se constantemente dentro do horizonte de seu tempo. Há temas que são tratados de perspectivas diferentes – e aparecem não raro em contradição – e estruturaram-se lentamente.
Em segundo lugar, um frequente equívoco do qual a obra do autor de Sete ensaios foi vítima é a utilização da imagem de seu pensamento a partir apenas de autores que mencionou ou leu. Sem aludir à época em que o autor formulou seu pensamento, e diluindo a dialética entre texto e contexto, essa instrumentalização política operada pelos estudiosos da esquerda (e direita) peruana transformou o principal fundador do Partido Socialista Peruano em um personagem politicamente ambíguo e de diversas imagens heterogêneas: Mariátegui “stalinista”, “leninista”, “trotskista”, “maoista”, “gramsciano”, “althusseriano”, “eurocomunista”, “pós-moderno”...
Em terceiro lugar, um antídoto para evitar interpretações apressadas e completamente fora do contexto é a realização de uma leitura genético-evolutiva da obra do marxista peruano, id est, que parta dos textos de juventude – dos poemas inclusive – até as analises literárias e os textos políticos considerados maduros. Enfim, uma leitura total que defenda a unidade da obra sem com isso subvalorizar as mudanças, as transformações, ou até mesmo as rupturas, e coloque em conexão biografia e contexto sócio-histórico (história do Peru e história do socialismo).
 
Michael Löwy, leitor de José Carlos Mariátegui
Uma das figuras intelectuais e políticas cujo projeto teórico-político insere-se na proposta de renovação radical do marxismo contemporâneo é incontestavelmente a figura de Michael Löwy. De origem brasileira, mas já com meio século de vivência na França, o sociólogo marxista é um dos mais instigantes intelectuais da geração que começou a produzir na década de 1960[4]. É autor dezenas de livros, traduzidos em pelo menos vinte idiomas, versando especialmente sobre as obras de Karl Marx, Che Guevara, Rosa Luxemburgo, Leon Trotski, Georg Lukács, Lucien Godmann e Walter Benjamin.
Embora os ensaios dedicados exclusivamente à obra de José Carlos Mariátegui sejam um tanto quanto irregulares, a despeito de trabalhos analíticos mais consistentes de que os que o sociólogo franco-brasileiro tem realizado – como é o caso, para ficarmos em apenas dois exemplos, de Georg Lukács (1998b) e Walter Benjamin (2005) –, a obra do autor de Defesa do marxismo ocupa um lugar na trajetória intelectual de Michael Löwy que, embora não prioritário, não pode ser desprezado. Além disso, como informa Luiz Bernardo Pericás (2010), ainda que de maneira periférica, o autor de As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen seria um dos pioneiros do mariateguismo no Brasil, fato de grande importância em um país em que, como já foi ressaltado, o pensamento do teórico peruano ainda é pouco conhecido. Ao que tudo indica, o entusiasmo de Michael Löwy pelo conjunto da obra de Mariátegui é precedido, em um primeiro momento, por um vivo interesse na constituição da história da recepção do marxismo na América Latina[5], onde o sociólogo situa o pensamento de Mariátegui no coração do marxismo crítico latino-americano:
 
Michael Löwy também se entusiasmaria com o pensamento de Mariátegui no mesmo período, em meados da década de 1970, quando comprou a coleção de suas obras completas numa visita que fazia ao México. Ele já havia realizado uma conferencia em 1960, para um círculo marxista na USP, sobre o “socialismo na América Latina”, na qual fizera extensa referência ao teórico peruano. Esse fato, por si só, já o coloca, mesmo que marginalmente, entre os pioneiros do mariateguismo no Brasil. Mas sua palestra teria sido preparada a partir de fontes secundárias. Quando a edição francesa dos Sete ensaios foi lançada pela Maspero, a obra naquele momento, contudo, não lhe chamou atenção. Só mesmo quando adquiriu a [obra] mariateguiana no México é que começou a estudar sistematicamente o autor de La escena contemporánea (Pericás, 2010, p. 346).
 
A leitura sistemática da obra de JCM estava articulada, na verdade, a um projeto mais amplo de compreensão dos condicionantes teóricos e políticos da história marxismo na América Latina. Nesse contexto, será editada na França uma antologia intitulada O marxismo na América Latina, em que o sociólogo marxista, além de organizador do livro, irá escrever um amplo estudo acerca da história do pensamento marxista na América Latina. Curiosamente, o ano de lançamento da antologia coincide com a realização do conhecido Seminário de Sinaloa (Culiacán, México), considerado por muitos pesquisadores como verdadeiro marco histórico dos estudos mariateguianos, que reuniu os principais estudiosos latino-americanos e europeus dos anos setenta[6]. De qualquer modo, a coletânea de textos levada a cabo por Löwy seria precedida por uma longa introdução, sendo depois publicada com leves variantes em castelhano e português – no último caso, no Brasil, em 1999 (reeditado com algumas modificações em 2006).
Como o próprio título da introdução da coletânea sugere, longe de fornecer uma análise exaustiva do marxismo na América Latina, tratar-se-ia, antes, de propor alguns pontos de referência formados pelas diferentes tendências e vertentes do pensamento marxista latino-americano. A ênfase do texto seria dada sobre a problemática da natureza da revolução no continente. Conforme sugere o intelectual franco-brasileiro, desde os primórdios “o marxismo na América Latina foi ameaçado por duas tentações opostas: o excepcionalismo indo-americano e o eurocentrismo” (Löwy, 2006, p. 10). Sinteticamente, o primeiro, em nome da especificidade, da unicidade, do desenvolvimento histórico latino-americano, abandona as categorias fundamentais do marxismo; o segundo, por outro lado, consistiria na transposição mecânica e inadequada para o continente dos parâmetros e análises elaborados na Europa para países metropolitanos e conhecedores de um amplo e profundo desenvolvimento capitalista. Para Löwy, em meio a esse contexto teórico-político, a obra de Mariátegui destaca-se como expressão teórica mais vigorosa e original no primeiro período da história do marxismo por adotar uma posição teórica e metodológica claramente na contramão do pensamento das duas tendências descritas, ou seja, a estratégia política de uma revolução socialista:
 
A aplicação criativa do marxismo à realidade latino-americana significa justamente a superação – no sentido da Aufhebung hegeliana – dessas duas tendências e do dilema de um particularismo hipostasiado e um dogmatismo universalista – graças à unidade dialético-concreta entre o específico e o universal (Idem, p. 12).
 
Rejeitando essas duas hegemônicas orientações, o autor de Defesa do marxismo foi, por esse motivo, assim como o marxista cubano Julio Antonio Mella[7], um combatente praticamente solitário em muitas das elaborações teóricas e posições políticas que tomou, navegando em direção contrária à maré de sua época, a contrapelo da fatalidade proclamada da História.
Nessa breve apresentação em que Michael Löwy evidencia o marxista peruano, a atenção é voltada especialmente para sua intensa atividade política: 1) a rejeição de Mariátegui em torno do APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana); 2) a participação indireta na I Conferência Comunista Latino-Americana através do envio de duas teses; 3) a decisão de não tomar partido no conflito entre Stálin e a Oposição de Esquerda, apesar da admiração pela figura do comandante do exército vermelho[8]. Também, o relevo da mediação política pode ser confirmado na própria seleção de textos para compor a antologia nessa primeira edição: “Carta Colectiva del Grupo de Lima” (1929) e “Punto de Vista Antiimperialista” (1929) – ou seja, dois registros e documentos claramente carregados de posicionamento político[9].
Contudo, a análise sobre a dimensão política de Mariátegui não fica circunscrita às atividades de cunho organizativo, pois Löwy procura compreender a política também através da mediação filosófica, realçando a obra Defesa do marxismo. Neste opúsculo, o autor peruano buscou desenvolver conceitos filosóficos e ético-sociais em irresoluta oposição ao materialismo vulgar e o economicismo marxista, cuja maior expressão foi o pensamento ortodoxo da II Internacional. Afinal, essa atitude intransigente frente às versões fatalistas e lineares da história “permite Mariátegui libertar-se do evolucionismo stalinista, com sua versão rígida e determinista da sucessão das etapas históricas, que o Comintern do fim dos anos 20 estava começando a disseminar por toda América Latina” (Idem, p. 19). No entanto, o combate duro e acertado da leitura economicista não fez com que a análise do sociólogo marxista evitasse admitir “excessos voluntaristas” do pensador peruano, isto é, uma atitude de clara inspiração idealista.
O marxismo antidogmático e antipositivista de Mariátegui permitiu não só problematizar, mas rejeitar totalmente a hipótese política de revolução democrático-burguesa na América Latina defendida por Stálin, optando, contrariamente, por uma estratégia política que combinaria simultaneamente tarefas socialistas e democráticas, objetivos agrários e anti-imperialistas. A escolha política dever-se-ia principalmente – como ressalta Michael Löwy – a uma compreensão não linear da dinâmica da história e à combinação sui generis de ritmos históricos distintos no desenvolvimento capitalista dos países latino-americanos. Nessa chave, uma das conclusões políticas mais fortes de Mariátegui é a formação de uma burguesia nacional peruana diferenciada, pois demonstraria na prática uma incapacidade de realizar o projeto de “revolução democrática” na economia e no Estado, por sua subordinação congênita à burguesia industrial europeia.
Finalmente, o sociólogo franco-brasileiro põe em relevo a relação existente entre a via socialista e a sobrevivência de vestígios de um “comunismo inca” que o pai do marxismo latino-americano desenvolve. Uma relação que não teria analogia política com as ideias e teses do populismo russo, mas, na verdade, com os registros de Marx sobre o papel da transição da Rússia czarista para o socialismo. O estabelecimento de um elo histórico entre socialismo moderno e o comunismo inca marcaria um traço romântico anticapitalista na obra do autor, ainda que a visão idílica do passado tivesse claramente um distanciamento crítico em Mariátegui. Como se verá adiante, esse ponto que associa socialismo e romantismo anticapitalista é a pedra de toque da interpretação de Michael Löwy na década de 90.
Seria essa a primeira abordagem analítica de Michael Löwy sobre a obra do pensador peruano. No primeiro período da história do marxismo na América Latina, chamado de revolucionário, Mariátegui é considerado a expressão teórica marxista mais criativa, principalmente pelo seu conteúdo político, tanto do ponto de vista teórico como prático. Como se verificará, essa concepção será transformada e ampliada em ensaios posteriores sobre o jornalista peruano.
 
Religião, utopia e romantismo: o marxismo heterodoxo de Mariátegui
A partir de meados da década de 1990, os escritos posteriores de Michael Löwy voltados especialmente ao marxismo de Mariátegui têm um registro diferente, mas, na verdade, não se trata de uma mudança de atitude que se manifestará exclusivamente na obra do jornalista peruano. Essa mudança será muito mais profunda e radical, a ponto de alterar decisivamente a própria visão de mundo marxista na trajetória intelectual de Michael Löwy. Isso se deve fundamentalmente à descoberta em 1979 das teses “Sobre o conceito da História” (Über den Begriff der Geschichte) de Walter Benjamin, considerado um dos documentos políticos mais importantes do século XX[10]. Segundo Michael Löwy (2008, p. 83), a exigência fundamental das teses de Benjamin é a sugestão de um novo método para todos os campos das ciências sociais: interpretar a história do ponto de vista dos vencidos, utilizando-se fortemente do materialismo histórico. 
A partir dessa chave interpretativa, o intelectual franco-brasileiro (1998, 2005, 2006, 2009) trabalha com a hipótese de que o teórico peruano pertenceria a uma corrente marxista romântica / revolucionária, constituindo um socialismo heterodoxo e independente[11]. Löwy sugere que o pensamento dinâmico de JCM detém uma carga de explosividade utópica sem precedentes, manifestado com maior força na autêntica identidade coletiva dos camponeses indígenas que nasce do passado e nutre-se dele, mas não se cristaliza na nostalgia, isto é, há uma dialética utópico-revolucionária entre o passado pré-capitalista e o futuro socialista. O núcleo irredutivelmente marxista e romântico, a um só tempo, estaria principalmente (mas não exclusivamente) na recuperação crítica do passado e da dimensão imaginária e espiritual da luta, em um contexto da história do Peru e do socialismo na década de 20 completamente diferente, portanto, daquele dos pensadores românticos ingleses ou da Europa Central[12].
Mas atenção: o conceito de romantismo afiançado pelo sociólogo franco-brasileiro, que, a bem verdade, estaria disseminado em outros autores dos séculos XIX e XX, é uma reformulação conceitual profunda de uma concepção “clássica” – difundida principalmente nas exposições dos manuais de história literária – segundo a qual compreende a corrente romântica como uma escola literária do século XIX. O romantismo – em Löwy (1995) – não é a expressão de uma corrente estético-literária datada, com começo, meio e fim. Trata-se de um movimento que se manifesta em todas as esferas da vida cultural – incluindo o campo da política, da filosofia, da literatura, da religião, das ciências humanas e da teoria política – e que constitui uma das formas fundamentais do espírito moderno. Ou seja, o conceito de romantismo seria, ao mesmo tempo, uma estrutura de sensibilidade (Raymond Willians) e uma visão social de mundo (Lucien Goldmann), claramente mais “elástica” que a formulação “clássica”. Uma manifestação que começa no “término do século XVII como protesto contra o advento da moderna civilização capitalista, uma revolta contra a irrupção da sociedade industrial/ burguesa fundamentada na racionalidade burocrática, na reificação mercantil, na quantificação da vida social e no ‘desencantamento do mundo’” (Löwy, 2005, p. 105, grifo nosso). Com efeito, o romantismo pode dar nome à cultura política mais geral que costurou projetos e utopias de diferentes matrizes durante a história, desde que ancorada em uma visão de ruptura radical e genuína com a modernidade capitalista.
Não há dúvida de que essa concepção é atravessada por correntes políticas e ideológicas as mais diversas e contraditórias, como regressivas e reacionárias, mas também utópicas e revolucionárias. É nesta última tipologia – no sentido weberiano do termo – que o sociólogo franco-brasileiro insere a vida e obra de José Carlos Mariátegui, o que pressupõe desde já uma concepção romântica que não é residual. No contexto político e cultural latino-americano da década de vinte, Mariátegui viu-se intimado por uma dupla “cultura burocrática da resignação”: de um lado, o “eurocentrismo” consistiria na transposição mecânica e inadequada, para o continente latino-americano, dos parâmetros e análises elaborados na Europa para os países centrais e portadores de um amplo e profundo desenvolvimento capitalista. De outro lado, o “excepcionalismo indo-americano”, que consiste em abandonar sistematicamente as categorias fundamentais do marxismo em nome da especificidade e da unidade do desenvolvimento histórico latino-americano (Löwy, 2006a). Rejeitando essas duas hegemônicas orientações, o autor de Defesa do marxismo – assim como o marxista cubano Julio Antonio Mella – foi, por esse motivo, um combatente praticamente solitário em muitas de suas posições teóricas e políticas, navegando em direção contrária da maré de sua época, a contrapelo da fatalidade proclamada da História.
Quais seriam, afinal, as características específicas que revelariam na obra do teórico peruano uma visão de mundo romântica tal como afiança Michael Löwy? Em que lugar e como estaria formulada a ideia de uma critica radical à civilização industrial/ burguesa moderna? Na tentativa de sistematizar as ideias propostas por Michael Löwy em seu estudo sobre a obra de JCM, as linhas esquemáticas a seguir não se pretendem uma análise exaustiva, mas, antes, um esboço de orientação ao leitor, como ponto de partida introdutório à interpretação do sociólogo marxista:
1) Rejeição da filosofia evolucionista e positivista e crítica implacável das ilusões do progresso e da imagem linear e eurocêntrica da história universal. Provavelmente, a originalidade do marxismo de JCM esta na superação – no sentido da Aufhebung hegeliana – do particularismo hipostasiado e do dogmatismo universalista através da unidade dialético-concreta entre o específico e o universal. Como aponta Michael Löwy (2005, p. 18), “na verdade seu pensamento caracteriza-se justamente por uma fusão entre os aspectos mais avançados da cultura europeia e as tradições milenaristas da comunidade indígena”. Ademais, como observou José Aricó (1987), uma formação marxista antieconomicista, antipositivista e antidogmática de Mariátegui só se concretizou no seguinte contexto: (1) por se produzir fora das fileiras comunistas e da Internacional Comunista; (2) por um movimento socialista peruano que se estrutura no quadro de um amplo movimento intelectual e político; (3) pela leitura de Marx e Lênin sob filtro do historicismo italiano, mesmo consciente de restrições (ou da ambiguidade) de alguns autores – entre eles, Sorel. Trata-se de um diálogo-crítico com o idealismo fundamental para “peruanizar” sua luta na América Latina.
2) O romantismo como polo oposto da rotina administrativa e burocrática da política. Pode-se observar uma dupla significação de romantismo nos textos de JCM, especialmente nos capítulos literários dos Sete ensaios. Um chamado neo-romantismo ligado ao século XIX, “conservador” e “individualista”, e um novo romantismo que ele identifica como “espontâneo” e “socialista”. A divisão proposta de JCM de “dois” romantismos não tem apenas um significado eminentemente político e ideológico, mas também está circunscrita a períodos históricos: as “épocas clássicas ou de calma”, quando a política reduz-se à administração e ao parlamento, e as “épocas românticas ou de revolução” (um período de onda revolucionária), nas quais a política ocupa o primeiro plano da vida. Dois exemplos citados por Michael Löwy que confirmam essa utilização são, de um lado, a crítica de Mariátegui endereçada ao afamado poeta Rainer Maria Rilke de um romantismo retrógado, que abusa do extremo subjetivismo e puro lirismo e satisfaz-se plenamente na contemplação. Por outro lado, um encantamento profundo com o movimento surrealista que, muito mais do que um fenômeno literário, seria a expressão por excelência do “novo” romantismo em sua versão revolucionária. 
3) Uma interpretação do marxismo que leva em conta a dimensão espiritual e ética do combate revolucionário. O mito é provavelmente a ideia-força que Löwy mais destaca no pensador peruano. O termo de origem religiosa teria uma significação mais ampla – secular –, referindo-se à dimensão espiritual e ética do socialismo e à emoção revolucionária. O mito é semelhante à definição que o filósofo Henri Lefebvre tem de utopia: um “sentimento não prático do possível” como condicionante crítico de desalienação das ilusões do progresso. Para Löwy, essa correspondência entre socialismo e religião na obra de JCM tornou-se mais obsessiva através do contato com as obras do socialista romântico Georg Sorel e com as do filósofo espanhol Miguel de Unamuno – a partir de quem o ensaísta peruano deu um novo significado, por exemplo, à palavra agonia. A espiritualidade agônica não está, como se poderia facilmente deduzir, contraposta com a esperança revolucionária; ao contrário, elas se complementam. Ao valorizar a mente religiosa, Mariátegui não queria fazer do socialismo uma fonte de seita religiosa, mas trazer a dimensão espiritual e ética da luta revolucionária: a fé, a solidariedade, a indignação moral[13].
4) As análises sobre a formação social peruana como ponto de partida às tradições comunitárias do campesinato indígena. As proposições acerca da realidade social peruana assinada por JCM compreendiam a existência de diferentes níveis e modos de funcionamento do capitalismo periférico. Tempos históricos que se combinam diversamente nas diferentes estruturas do modo capitalista de produção e reprodução das relações sociais. A tradição e a modernidade na formação social peruana não são dicotômicas. Mariátegui reage, assim, “contra o tradicionalismo conservador da oligarquia, o romantismo retrógado das elites e a nostalgia do período colonial, ele apela a uma tradição mais antiga e mais profunda: a das civilizações indígenas pré-colombianas” (Löwy, 2005, p. 18). A sobrevivência de práticas coletivistas de comunidades até o século XX não era um peso morto na formação cultural e social peruana, mas, na realidade, constituintes ativos de renovação cultural. Isso fez com que o jornalista peruano (2010) saísse em defesa do que denominou de “comunismo inca”, que “não podia ser negado ou diminuído”, já que era portador de eficácia econômica e do bem-estar da população camponesa. Assinala, por sua vez, uma clara distinção (e denuncia os limites) entre comunismo agrário e despótico das civilizações pré-colombianas e o comunismo de nossa época, herdeiro das conquistas materiais modernas. No terreno da estratégia política, “situava nas comunidades indígenas o ponto de partida para uma via socialista própria aos países indo-americanos” (Löwy, 2005, p. 22). Em suma, como destaca o historiador Flores Galindo (1994, p. 556-557), o problema nunca foi escolher entre o moderno e o tradicional, pois, afinal, o projeto de crítica da modernidade empreendida por Mariátegui jamais pretendeu regressar ao passado, mas ensaiar um encontro diferente entre Ocidente e mundo andino.
 
Inspirar-se em Mariátegui como aposta estratégica: atualidade de seu pensamento revolucionário
O estudo de Michael Löwy sobre o marxismo de José Carlos Mariátegui embora tenha se ocupado relativamente pouco com o autor de Sete ensaios, em comparação, por exemplo, com outras de suas pesquisas mais aprofundadas – que vão da teoria da revolução no jovem Marx, do “anticapitalismo romântico” de Georg Lukács, ao “messianismo anarquista” de Walter Benjamin –, tem uma contribuição notável, sobretudo por adotar um princípio metodológico que não separa o crítico literário do organizador político. As instigantes pistas do sociólogo franco-brasileiro podem contribuir como ponto de partida para compreensão de um complexo e multifacetado marxismo “fora do lugar” de JCM, cuja importância é universal. Um dos méritos de sua análise está no esforço de fornecer um ponto de vista amplo e totalizante, e, principalmente, o registro de um marxismo o que abre possibilidades novas, particularmente no domínio da sociologia da cultura e da religião: os estudos sobre o comunismo inca, a fascinação pelo movimento surrealista, a aproximação entre fé religiosa e fé marxista, o desenvolvimento de uma interpretação milenar do marxismo (através do índio). E, também, sua obra possibilita entender fenômenos concretos como o surgimento da teologia da libertação e o sandinismo nicaraguense, assim como, o componente da mística (ou fé) tão forte em movimentos sociais latino-americanos, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais dos Sem Terra) e o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional). 
A coluna vertebral da explicação do sociólogo franco-brasileiro – ou seja, uma cosmovisão romântica e marxista na obra de JCM – não parte do pressuposto de uma obra que pode ser apreendida como edifício acabado, mas a considera como canteiro de obras, sempre inacabado. Ademais, a intenção central é iluminar observações preliminares na tentativa apenas de propor pontos de referência para o estudo da evolução do pensamento de JCM. É uma tentativa de estabelecer uma “verdade relativa”, sempre capaz de ser modificada. O convite de uma metodologia sociológicade compreensão aberta, portanto, não é fortuito.
É inegável que o projeto revolucionário de JCM se expresse na tradição histórica. Tarefa heroica é prolongar e desenvolver sua obra em função do que há de novo no mundo moderno e de renovar o marxismo como criatividade crítica e emancipadora.
 
 
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PERICÁS, Luiz Bernardo. “José Carlos Mariátegui e o Brasil”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 68, n. 24, 2010, p. 335-361.
QUIJANO, Aníbal. Reencuentro y debate: una introducción a Mariátegui. Lima: Mosca azul, 1981.
RIDENTI, Marcelo. “Romântico e errante”. In: JINKINGS, I.; PESCHANSKI, J. (orgs.). As utopias de Michael Löwy: reflexões sobre um marxista insubordinado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007, p. 167-174.
THOMPSON, Edward P. Os românticos: a Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
 


[1] Mestrando em Sociologia pela USP e bolsista CNPq. [email protected]
[2] Doravante JCM.
[3] Para uma análise da recepção de José Carlos Mariátegui no Brasil, cf. Pericás (2010).
[4] Nascido em 6 de maio de 1938 na cidade de São Paulo, de uma família de judeus que imigrou para o Brasil na década de 1930, Löwy opta por uma trajetória acadêmica, ingressando no curso de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) em 1956, também no intuito de amadurecer suas intensas atividades políticas. Em 1961, parte à França para fazer seu doutorado, sob orientação de Lucien Goldmann, com um estudo sobre a questão da revolução no jovem Marx. Depois de defender sua tese em março de 1964, instala-se por motivos familiares em um kibutz em Israel, país no qual viveu por quatro anos. Volta à Europa quatro anos depois, atraído pelas lutas explosivas de 1968. Aconselhado a não regressar ao Brasil, onde poderia ser preso pela ditadura civil-militar, permanece na França, onde posteriormente ingressa no prestigioso CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), do qual é atualmente pesquisador emérito, bem como professor titular da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Para maiores detalhes sobre as atividades políticas e teóricas da trajetória de Löwy, ver entrevista feita por Gomes e Reis (1996) e livro organizado por Jinkings e Peschanski (2007).
[5] Evidentemente, o encantamento de Michael Löwy pelo tema da história das lutas sociais na América Latina começaria mais cedo, nos anos de 1960, em um período político em que o subcontinente testemunhava a ascensão de inúmeras correntes radicais de contestação à ordem capitalista, inspiradas, em grande medida, no triunfo da Revolução Cubana e na figura de Ernesto Che Guevara. Este último, particularmente, será o tema central de um pequeno livro do sociólogo franco-brasileiro, redigido em 1969, pouco depois do assassinato do revolucionário argentino. Cf. Löwy (1970).
[6] A importância do Colóquio – que contou com a presença de nomes como Robert Paris, César Lévano, Antonio Melis, Alberto Flores Galindo, José Aricó, Anibal Quijano, entre outros tantos – não se devia apenas a uma homenagem aos cinquenta anos de Mariátegui. Na realidade, além de existir na época uma atmosfera política propícia para o renascimento do pensamento do teórico peruano, afinal, muitos participantes presentes eram perseguidos e exilados nas ditaduras latino-americanas, o congresso representou aquilo que Fernanda Beigel (2003) denomina de “generación Sinaloa”: “esta generación expresa un hito en el camino en las condiciones de lectura de la trayectoria del Amauta y una reconversión temática que abrió un nuevo camino en las investigaciones mariateguianas” (Beigel, 2003, p. 17). Cf. também o prólogo de Melis (1999, p. 5-8).
[7] Para uma análise da trajetória do marxista cubano Julio Antonio Mella, cf. Hatzky (2008).
[8] Em um pequeno texto apresentado no Simpósio Internacional “Trotsky: Passado e Presente do Socialismo” – realizado na Universidade de São Paulo em 1990 –, dirigido à análise exclusiva do significado da teoria da revolução permanente de Leon Trotsky, Michael Löwy aponta uma clara aproximação política das intervenções de José Carlos Mariátegui com as do autor de História da Revolução Russa: “É interessante observar que, no mesmo momento que Trotsky escrevia seu livro [A Revolução Permanente (1930)], o grande pensador latino-americano José Carlos Mariátegui estava chegando por seu próprio caminho a conclusões semelhantes (embora limitadas ao âmbito do continente). Em seu artigo “Ponto de Vista Antiimperialista”, de 1929, Mariátegui afirma que, no quadro do capitalismo, os países da América Latina estão condenados à condição de colônias: à única alternativa à dominação imperialista do continente é uma revolução indoamericana socialista” (Löwy, 1994, p. 78).
[9] Das inúmeras reedições para diversas línguas que a antologia obteve, as mudanças basicamente voltaram-se para a inclusão ou exclusão de textos. Na edição brasileira de 2006, por exemplo, apenas “Ponto de Vista Antiimperialista” permaneceu com a inclusão de três textos: “Aniversario y Balance” (1928), um balanço editorial do segundo aniversário da revista Amauta, “Prólogo a Tempestad en los Andes” (1927), um texto que sublinha a importância do mito indígena e sua ligação com o passado, e “El problema de las razas en América Latina”, fragmento de um comunicado enviado à Conferência Comunista de 1929, dedicado aos problemas dos camponeses indígenas e sua inserção na luta de classes.
[10] “Descobri as teses no momento em que movimentos populares insurrecionais se desenvolviam na América Central. O documento me permitiu compreender melhor os acontecimentos e, inversamente, estes esclareceram, com uma nova luz, o texto. [...] Mas, acima de tudo, a leitura das ‘teses’ afetou minhas certezas, transformou minhas hipóteses, inverteu (alguns de) meus dogmas; em resumo, ela me obrigou a refletir de outra maneira, sobre uma série de questões fundamentais: o progresso, a religião, a história, a utopia, a política. Nada saiu imune desse encontro capital” (Löwy, 2005b, p. 38-39).
[11] “Ese hombre condenado a partir de 1924 a la inmovilidad, sujeto a la silla de ruedas, era el mismo que en juventud había subido a un aeroplano, que se había embarcado en El Callao y que después, en Europa, recorrió intensamente sus caminos: seguía siendo un ‘aventurero’, término que para Mariátegui, como para Freud, tenía una valoración positiva. Se inscribía en la estirpe de autores románticos (FLORES GALINDO, 2004, p. 377, grifo nosso).
[12] O próprio Michael Löwy (1989) buscou em outro trabalho pesquisar os elos esquecidos entre religião e política na geração de intelectuais oriundos da “Europa central” (Mitteleuropa) que estiveram sob nítida influência de um rico universo cultural judaico, desaguando em uma dupla configuração espiritual: a utopia romântica e o messianismo restitucionista. Vale a pena conferir também um estudo sobre a vida e obra dos poetas românticos ingleses (principalmente no início da época moderna) sob o punho do historiador inglês E. P. Thompson (2002).
[13] Não é coincidência que o peruano Gustavo Gutierrez, um dos mais importantes fundadores da teologia da libertação, tenha Mariátegui como uma das suas principais referências. Cf, Löwy (2000).

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